domingo, julho 20

Fatal

Odeio sem grande força, desconhecer esta coisa que paira constantemente dentro de mim, não sei o que é, não sei o que me provoca, se é boa ou má ou apenas fruto da minha eventual imaginação. É algo que me pertence mas não é meu. Oiço-a a latejar na minha mente a cada passo que dou na rua e sinto que ela brota do meu solitário olhar, denunciando-se, entregando-se ao mundo de fora. Será que quer fugir de mim?

...normalmente, começa num fim de tarde de verão, quando somos novos e estamos de férias. Não, não a descobrimos com um sorriso reciproco ou um ligeiro tocar de epidermes que nos faz ruborescer. Aparece num olhar, quando estamos sentados num degrau e a vemos parar na sua bicicleta e fitar-nos nos olhos, entrando cá dentro, invadindo-nos tudo aquilo que apareceu há uns meses ou anos e que haviamos guardado dentro de nós no maior secretismo. Sentimo-lo logo, é imediato, ao vermos aqueles olhos que habitualmente são castanhos no pardo e verdes ao raiar do sol, sabemos que nos vão fazer sofrer, suspirar, que nos vão isolar e guiar para um caminho que nunca mais terá retorno se nos mantivermos fiéis à nossa essência, puros.
Outros olhares se seguirão, até ao fim, até não mais podermos ver. A sensação irá perdurar, resistirá ao cinismo, à suposta descrença, apatia, misoginia. E o olhar, circundado por formas diferentes, colorido por distintas tonalidades, continuará a aparecer, numa esquina, numa conversa, numa casualidade ou numa impresvista desventura e... nós o que mais faremos é simplesmente esquecer, esquecer que vimos aquele olhar de outrora, não olhamos para trás e deixamos que ela parta, que continue a descer a rua, para assim, mais facilmente desaparecer da nossa memória.

quarta-feira, julho 16

Transportes públicos no Estio

As gordas vestem roupas leves, o armário enorme guarda, para além de uma esquelética auto-estima, aquelas vestimentas grossas e fortes que as compactavam dentro da medida do possível; agora, revestidas a algodão ou a lycra, sentam-se ao nosso lado com os big size da inditex e expandem-se livremente pela fileira de bancos, açambarcam-nos o espaço, oprimem-nos com um pouco de carne protegido por muita gordura e esticada pele. Por vezes, braços, gordos ou magros, tanto faz, tocam nos nossos e sentimos pêlos, rijos, eriçados, despenteados... repulsivo. E a líbido, a líbido, que espreita pela janela, autêntico frontispício para carne humana, faz com que de dentro de nós, surja aquela pequena voz mais brejeira, de potencial violador.

Hoje

Nos dias que correm, no retrocesso em que existo, saio bem cedo de casa e enquanto caminho vejo a minha sombra bem esticada que chega a um sítio muito antes de eu lá por os pés. O sol nas minhas costas apazigua-me e eu sorrio porque sei que hoje ainda nos voltaremos a encontrar. Ainda nem são 7h e eu já vejo mulheres de meia-idade com tatuagens e roupas que lhes ridicularizam o corpo, a mente, os restantes dentes - não, os anos não ficam contidos nessa indumentária apertada que destaca pregas adiposas. Alguém que há muito tempo atrás eu já beijei, vai no mesmo autocarro e apesar dos anos que passámos no pleno anonimato um do outro, o constragimento é evidente - olhos que volvem para o chão conspurcado e cheio de uma película incognoscível mas depressiva, como só o chão dos transportes públicos consegue ser. Morto de sono, tento ler um livro e procuro consolo nas palavras de alguém, alento na escrita de uma pessoa já morta; sinto-me completamente amarrado a isto, a este autocarro, a estas coisas, a minha vida não pode ser assim. Não leio muito porque a retina, cansada, não consegue suportar todo o trepidar causado pelos rodados a atravessar o pavimento esburacado das estradas suburbanas; uma frase fica-me gravada na memória, acabarei por referi-la a alguém, por pura vaidade, com aquele meu ar apático. Oiço uma música e: «o que esta música me faz lembrar. ...mas quando foi a sério, não chorei assim. Pois é, da outra vez também foi a sério, foi sempre a sério» Na hora de almoço, riem-se das coisas que inspiradamente profiro, riem-se várias vezes, repetem-se as gargalhadas e ejaculações de interjeições que não conseguiram ficar contidas na boca nem retidas por alimentos em plena deglutição. Não me acho piada alguma e apetece-me vomitar para cima de tudo e todos, para cima desta merda que se sucede, sucede, sucede. Gostava de terminar com o retorno, com as expectativas, e deixar-me, pacificamente, ser coisa nenhuma.

quarta-feira, julho 9

Super Mulher

Penso que não necessito de fazer grandes introduções para este post. Pelo título, já muita gente vai chegar lá. No entanto, o mesmo pode ser enganador. Não vou falar da Wonder Woman ou de uma super-heroína que consegue carregar 3 barris de cerveja em cada braço. Venho falar da super-heroína que eu criei. Chama-se Super Mulher. Aparentemente, uma mulher como as outras, com família, trabalho, vida. A única coisa que a diferencia das restantes mulheres, o seu super-poder é apenas um: confiança. Sim, a Super Mulher é uma mulher confiante e com o auto-conceito em alta. Sem floreados, sem força sobre-humana, sem poder voar. Apenas confiança. É a Super Mulher.

terça-feira, julho 1

codec 666

O meu pai, no Natal passado, chamou-me a atenção para uma coisa absolutamente espantosa. O José Rodigues dos Santos, no final dos telejornais que apresenta, pisca sempre o olho. O que quer ele dizer com aquele pisca de olho? É algo de malandro, do género, “Não acreditem muito no que eu acabei de dizer, ahah, sabem como é”? Estará ele a atirar-se descaradamente a todas as mulheres de Poortugal?. Ninguém sabe, mas o meu pai sentia-se ofendido, e eu, para ser sincero, também não gosto muito de ter um tipo que eu não conheço a piscar-me o olho assim, sem mas nem porquê. Foda.se.