domingo, abril 12

PÁSCOA

A páscoa é um natal mais pequeno. A páscoa é um inexistente solo do David Gilmour nos corredores de um supermercado no final da manhã, onde o burburinho é diferente por o dia ser "especial"; há uma tensão, uma expectativa que dali a horas será gorada e ainda ninguém dá por isso, ninguém se desilude, quanto muito há um lamento qualquer «a minha mãe está a ficar mesmo velha; o teu irmão tem conversas parvas». Na páscoa vêem-se carros velhos com poucos quilómetros feitos nas mesmas estradas, com matrículas onde os caractéres têm relevo; são conduzidos pelos seus donos de sempre, senis e carregados de uma fúria contra qualquer ruído que incomode suas silenciosas mentes - batem com a vassoura no tecto se o solitário vizinho de cima suspira ou declama um soneto de desespero, batem com o pé no chão e ameaçam chamar a polícia aquando momentos mais flatulentos do casal de baixo que é ateu. A páscoa são mais carros à entrada das vivendas, menos nos estacionamentos dos prédios, porque devido ao quintal, as pessoas ajuntam-se mais nas moradias para que os infantes possam correr e deixar fluir um princípio de incesto que a sociedade vai castrar e um psicólogo mais tarde não irá entender. Nesta altura vêem-se pessoas idosas vestidas de um preto gasto e sem aquele brilho oleoso das vestes dos ciganos que, temporariamente saídas de um lar ou da decrépita casa da aldeia onde vivem em reclusão, são ajudados por familiares a transpor obstáculos que nem sempre o foram e ali ficam, na sala, a marcar uma analfabeta presença através do seu sorriso pateta e constrangido de quem espera pela apolexia fatal. O solo do Gilmour continua e sorte daqueles que nunca o ouvem e que se limitam a ir, a dar pulos geracionais rumando ao vácuo ao qual se vão naturalmente habituando dados os anos de infertilidade.

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