quinta-feira, dezembro 24

Mensagem de Natal

Por mais que o neguemos e façamos piadas com o intuito de revelar superioridade intelectual, esta trampa do Natal é uma altura um bocado fodida para o pessoal solitário. Ainda por cima está de chuva e não se podem dar passeios na mata, fazer leituras numa clareira qualquer, afagar os animais abandonados também não se recomenda, que agora com as chuvadas, cheiram mesmo mal. O Cavaco diz para termos filhos e apoia-nos com o seu ar seráfico e sorriso de logrado, mas, não providencia o parceiro necessário para que tal aconteça. Os meus vizinhos têm filhos e nunca os ouvi a dar uma foda, mas oiço tanto o barulho dos talheres quando furiosamente tentam trucidar o bife de vaca como a música dos ídolos no domingo à noite; será que depois de se ter filhos, acaba-se o sexo? Incitam-nos a comprar coisas e a pular ou a abanarmos a barriga de pândego se formos demasiado pesados para pular; a ser felizes e apreciar músicas cheias de rimas e mensagens sublimares para criancinhas filhas da puta chantagiarem os pais (que têm pavor de serem piores que os outros pais) com as suas necessidades e desejos fabricadas por um publicitário qualquer ou por uma licenciada em psicologia do departamento de marketing da empresa mais maligna de sempre. Olho em meu redor quando vou comprar o pão ou os kiwis e quando não fico completamente irado por venderem alho-francês que não cabe nos sacos e com toda aquela rama inútil que só faz peso, ponho-me a imaginar quantos daqueles presentes que as pessoas sozinhas e com um ar suspeito, compram, serão para filhos ou sobrinhos imaginários. Felizmente os genes ou alguma coisa, providenciaram que me tornasse um tipo mesmo sovina, logo, não entro nessas escapatórias vicariantes. Então, quando entro em casa não fico a olhar para as tralhas que comprei para ninguém, não deito ao chão um par de presentes que agora, enquanto me apetece morrer e oiço a Gymnopedie nº 1 decido que vou doar a uma coisa qualquer de caridade, para parecer a mim próprio que foi essa mesmo a minha intenção original, mas já ninguém aceita os presentes, já é tarde e ninguém quer saber, ninguém quer a porra de uns livros educativos sobre animais e história escrita por banais descendentes de vencedores. As outras pessoas, as acompanhadas, também não tem cuidado nenhum e porque também são somíticas, enviam uma mensagem pelos dois, assinado Sr e Sra qualquer coisa. Bastar-me-á esperar um pouco, talvez uns anos e lá terei notícias de uma infelicidade que se anunciou desde sempre nos meus presságios. Está tudo condenado à infelicidade. A insatisfação é forte e a dúvida é uma meretriz danada que nos amaldiçoa sem pudor; ou morremos por dentro, ou apagamos a chama e cessamos o nosso desejo, ou nos CONFORMAMOS, ou então, nunca conseguiremos paz, um laivo de felicidade mais perene. Esqueci-me completamente da minha intenção primordial, foi-se-me do consciente. Raios partam os devaneios que nos descarrilam da monotonia produtiva, da assertividade lexical. ABAIXO! E nesta altura, não que não aconteça nas outras, pensamos de maneira mais intensa nas coisas, porque os estímulos específicos aguçam-nos as memórias episódicas; doí-nos mais nunca termos falado com o pai, custa mais ter perdido alguém, magoa doutra maneira ver seres a passar frio e fome. Então vou-me apercebendo de quão boa pessoa sou e vou-me vendo num papel indesejado, encontrado como samaritano e penando cada vez mais por estes dias serem como são.

segunda-feira, dezembro 21

Sem título

Cresce-se no sítio onde se cresce e há meses sempre melhores que outros. Saltos atrevidos na casa em obras, quedas de metros a pique, lutas entre irmãos, sangue, ossos partidos. Dias que passam de uma maneira tal que se cravam na nossa memória; dias que nem existem mas que se recordam melhor que milhares de outros que se fizeram sentir de forma tão asséptica, tão anestésica, que é como se para nada tivessem contado. São tantos os dias que não contam para nada. Tenho recordações da minha imaginação, memórias de um olhar que despoletou horas e horas de uma vida que não foi vivida, de momentos que nunca chegaram a ocorrer e nem por um segundo pensei que realmente pudessem acontecer. A erva todos os anos mudava, naquele baldio, secava e ficava viçosa outra vez; vezes sem conta a observava e subitamente, é isso que atribui sentido a todo um passado - ridículo. Agora a imaginação não me conduz para esses caminhos, para esses recantos de prazer e realização, leva-me apenas para o lado mais grotesco, bizarro, descrente. Perdi os sorrisos de sincero deleite, os arrepios de tão atrevida e prazenteira suposição; agora rio-me porque as coisas que imagino têm piada, têm graça mas não me aquecem a alma nem queimam horas na cama quando até temos sono. Agora tenho insónias duras e violentas, deixei de ter noites brancas em que de maneira rocambolesca, dançava na neve ou via o reflexo do sol poente nos teus braços desnudados, agora tenho insónias preenchidas por um agoniante vazio que sou eu, Nada.
Dantes ainda sofria e era algo em que me aplicava e obtinha bons resultados, sofria com as desilusões, com o mal que me faziam, com todos aqueles planos abortados. Já não posso sofrer! Já não posso sofrer porque o sofrimento que causei não me autoriza tal veleidade, não me deixa a consciência em paz, proíbe-me as lágrimas que tentam arrombar uma idiota barreira de masculinidade adquirida por aculturação. Fiz-lhe tanto mal, a uma, a outra, a alguém. É um turbilhão dentro do mim que me faz sentir ridículo por me considerar monista. Tudo entra, nada sai.
Limpo os olhos e seco as mãos que lavei na água fria, olho-me no espelho e sinto desdém. Compro porcarias para comer e meto-me a correr esperando ficar ainda mais anestesiado, desta vez pelo frio e por uma qualquer falta de energia pois não como há umas 30h. As reverberações e os lamentos continuam a querer sair mas não posso deixar, não posso ser hipócrita, não posso ser um merdas autocentrado numa vulgar identidade, não posso ser como eles, como os que oiço, tenho obrigações.
Sobram-me os sonhos, que são quase sempre belos e agradáveis, leves e ternurentos. Quero aprender a controlá-los, quero torná-los lúcidos e passar a viver, a realizar-me num mundo onírico, quero esquecer estes 73kg e sentir-me sempre leve, capaz de voar, capaz de amar. Quero poder voltar a poder sofrer e isso, só mesmo nos sonhos...

sábado, dezembro 19

Perspectivas

Andando pela Feira da Ladra, desbravando aquela micro-economia de mercado, ouvi o seguinte breve diálogo:

Senhora – “Quanto custa o colar ?”

Homem – “ 1 euro”, responde friamente.

S – “ Hum, ofereço-lhe 50 cêntimos…”

H – “ Não minha senhora, o preço é 1 euro “

S – “ Por esse colar não lhe ofereço mais do que 50 cêntimos “

H – “ Não minha senhora “

Ele, com aquela ponta de ódio que serve de interlocutor às relações vendedor-comprador nesta feira, e, aproveitando o facto da senhora ter iniciado a marcha para outras bancas, lança para o ar, com uma ponta de veneno:

H – “ Isso é que era, 50 cêntimos, hoje em dia, nem para um café chegam “

Sentindo o peso da mensagem, a senhora inverte a sua marcha, dirige-se ao vendedor e diz-lhe:

S – “ 50 cêntimos não chegam para um café, é certo! Mas sabe para que chegam? Para um quilo de arroz. E, ainda lhe digo mais: – Um quilo de arroz de tomates dá para cerca de 10 refeições.”

e ainda acrescenta, perante um vendedor silencioso:

S - “Sabe, tem piada… às coisas, a que as pessoas dão valor hoje em dia.”

domingo, dezembro 13

Outono, quase Inverno

domingo, dezembro 6

Convite

Hoje tenho um convite para qualquer pessoa que esteja a ler isto: dêem uma olhada na lista de contactos do MSN, depois voltem. Está cheia de metáforas, não é? Algumas estão em inglês e tudo, com sorte, qualquer coisa num francês desaprumado. Palavras que beijam, abstracções sólidas etc etc. Usar metáforas é a mesma coisa que aderir a uma tribo urbana, passar o eyeliner preto ou vestir como a colega do Cacém se vestia durante os tempos de faculdade (haveria penteado mais petulante?), servem apenas para pessoas desinteressantes parecerem profundas e cheias de significado.
Claro que também servem para colmatar dificuldades de expressão e ainda podem ser utilizadas como estratégia heurística de engate.