sábado, novembro 27

portugal numa casa de banho

sexta-feira, novembro 19

Lei

A lei do tabaco foi aprovada faz 2 anos ou coisa parecida. Acho que sim, foi bem jogado. É uma coisa útil.
Mas a merda que sai da boca não tem apenas origem na combustão do cigarro. Não, longe disso. Agora está tudo a pensar em certas halitoses com que nos deparamos ao longo da nossa vida (quando alguém quer terminar uma relação amorosa, geralmente acusa o parceiro de ter ficado baforento - um clássico). Mas não, não é a isso que me refiro...
Está na hora de aprovar a lei que proíbe que as pessoas em locais públicos, falem utilizando um volume excessivo com a clara intenção de a sua conversa ser ouvida por não-interlocutores (pessoas que não participam na conversa).
Quem nunca se sentiu incomodado por um tipo que na fila de trás do cinema exibe os seus rudimentares conhecimentos de cinema? "- ...ah, o melhor filme do Woody é o Match Point. Sim, eu trato-o por Woody, somos muito íntimos, hahahahaha ". Quem nunca se irritou com observações do género "gostei do conceito do filme"? Com aquelas discussões pedantes na fila para qualquer coisa. Com tipos que claramente obtém um sexual thrill ao declamarem dentro do autocarro que gostam de pilas. E depois há sítios onde qualquer coisa que saia de uma boca é assim mesmo, para ser ouvida por todos, guinchada das profundezas dos nossos complexos, arrancada a ferros da psicologia menos analítica - nesses sítios cheios de freaks lavadinhos, enfim, nada a fazer; como têm os metros quadrados requeridos de pedância e as paredes com pinturas estilosas, pode-se perpetuar por lá o hábito que eu tanto gostaria de ver eliminado.
Vamos fazer uma forçazinha para aprovar esta lei. Acabar com os grafiteiros orais que fazem os seus rabiscos pelo ar que é de todos, obrigando-nos a contemplar a sua pujante nuvem de presunção.
Dia 12-12-2010, vota sim na Lei 3/35365/13/12/2010 e delicia-te com as coimas a serem aplicadas a essa cambada de diletantes no cio.

quarta-feira, novembro 17

Prefiro estar acompanhado ou cruzar-me com alguém que cheire intensamente a batatas fritas do que com pessoas com perfumes maus. As senhoras idosas e reformadas estão no top do ranking de pessoas que usam perfumes ofensivos, escolhendo com grande frequência o "Don Algodón", que é um misto entre Raid Casa e Plantas (do antigo, que o mais recente já é perfumado) e pó-de-talco da Johnson & Johnson's. Questão: tenho de colocar algum comentário sobre a estupidez do horário de inverno, ou não é requisito para escrever no blog agora? Nota: Post escrito segundo a antiga ortografia.

quarta-feira, novembro 10

do Avesso

Não tenho colesterol, nenhum...
Não tenho diabetes.
Pois não há qualquer açúcar em mim.
A minha urina tem pH 5.
O meu coração bate tão devagar que o ponteiro dos segundos lhe dá voltas e voltas de avanço.
Às vezes penso para comigo... e se me virassem do avesso?
Serei certamente muito mais bonito cá por dentro. Belo e sem extravagâncias urbanas, sem tatuagens ou apliques metálicos, puro. Sem excedentes de carne gordurosa a ulular por todo o tracto digestivo. Um odor até aceitável, longe do fétido das bebedeiras e vilezas torpes da falta de exercício. É tudo perfeitamente catalizado, anabolizado, transformado. As enzimas movem-se de forma ordeira, como se estivessem numa parada militar "ATENÇÃO! SENTIDO! O senhor Alferes dá autorização que mande sentar?".
Como pelos vistos sou profundo e espirituoso, até no sentido metafórico isto funcionaria. Ah, seria magnífico, o meu cérebro baila a mais depressiva das valsas só de imaginar a situação... o encarnado (sim, finalmente seriamos todos da mesma cor), o celoma e as contracções intestino-enguinais, tudo a funcionar parcimoniosamente...
- Sôr doutor, acho que tenho um sinal feio na epiderme.
- Então vamos ter de o abrir...
Por favor, virem-me do avesso...
É o meu maior desejo para o ano que se avizinha, que um dia acordemos e estejamos todos ao contrário, presos no estendal num belo dia de sol do estúpido horário de Inverno.

sábado, novembro 6

Animal

É uma besta aguerrida e que sem saber, sabe o que quer. É determinado, vil e sexual.
Não que me meta medo, não que me assuste com as suas feromonas e instintos torpes. Eu encaro o animal sem qualquer receio e desfaço-o sem qualquer espécie de piedade, seja com palavras ou com os braços, desfaço-o, sempre.
O animal despreza-nos, a nós, irmãos, tal como nós o desprezamos, tal a sua repugnância, ausência de valores e vivência demasiada instintiva mas desprovida de visceralidade.
Ele passa com a sua música quadrada e desconcertante para qualquer um de nós. Traz a sua bebedeira pungente e a marca de uma sarjeta ou de uma escarra que a cidade por vingança, lhe lançou, mas, que lhe importa, que o incomoda? Sabe o que quer e como guerreiro que é, vai directo ao assunto, vai ter contigo que lhe dizes que não mas, só fica mais forte e vira-se para outro lado, porque funciona a 360º e lança outra vez uma pícara frase de engate interrompida a meio por um arroto aziago. Pois é, vomita-se todo e, mais forte fica, outra vez, até ao fim da juventude...
«Que grávida mais bonita» Sê mais animal, irmão.

Somos irmãos

Como os cães que jaculam o sarro do seu vazio através do olhar melancólico. Não me venham dizer que os cães não se sentem melancólicos, que os cães não sofrem de males de alma...
Quase perfeitos, quase impossível imaginar que o que nos acontece, pode estar mesmo a acontecer.
Somos mesmo irmãos.
Sós por essas ruas fora ou fechados em casa em busca de uma alternativa. Perdemos o rumo e agora, derivamos por onde os piores que nós navegam com perícia. São piores mas vêem a 360º, dominam por completo o espaço euclidiano. Não conhecem derrota nem frustração. Não há coisa que os abale, não há som ou odor que os afecte.
Como o Gabiru, teorizamos sobre a vida, acerca das coisas e das causas. Recordamo-nos de passagens de livros, de letras de músicas e ideias de outros. De nada servem, não funcionam para este jogo animal. Perguntem aos cães deitados na beira da estrada e alumiados pelo crepúsculo precoce, facultado pelo estúpido horário de Inverno.

segunda-feira, novembro 1

Fechou-se um ciclo. Novos temas surgirão.

Auto violação

Digo que te salvo o bonsai e levo-o para a minha casa, não imaginei que acabasses por vir também. Olho para o tronco da planta e sei que está perdida: definhou e os insectos divertem-se por lá, pelas rugas dos ramos ou nas folhas secas que silenciosamente gritam morte a plenos pulmões. Fiz-te o jantar e depois de ficarmos um bocado à janela, onde pelas frestas dos estores, vimos, numa janela em frente um casal a ter sexo, foste para a cozinha e ouvi-te a mexer nas coisas, como que estivesses a limpar. Estranhei e perguntei se estavas a pregar-me alguma partida: a urinar para o fogão ou defecar para o forno, parece que não e a cozinha ficou limpíssima. Não sei porque o fizeste, talvez quisesses mostrar que querias vir viver comigo, e vieste.
Vieste também porque a tua amiga não gostava de mim e te achava diferente desde que estávamos juntos. Acusava-te de tudo e mais alguma coisa, embora fizesses as coisas exactamente da mesma forma. Ela tinha planos para ti, foi o que eu te disse, mas nunca me quiseste ligar muito. Ela imaginava-te com alguém com quem ela também gostaria de ter estado, ela via-te como alguém que deveria ficar com as suas segundas escolhas, porque eram, apesar de segundas, boas demais para serem desperdiçadas. Ela via-te com um tipo do meio, via-te armada em artista, pedante, delirante, drogada, maquilhada e mais tarde, desmaquilhada, ela via-te como um adereço, um apêndice, alguém que lhe facilitaria a vida mundana e os encontros duplos, uma muleta, um vector de propagação de conhecimentos sociais, um pout-pourri para mostrar aos amigos quando eles lá fossem a casa.
Os dias correm como nunca antes haviam corrido, flúem freneticamente, deixam de se suceder pé ante pé e cessam com aqueles anúncios que de forma constante fazem o apanágio da finitude. Parece que vejo o meu interior, pela primeira vez está-me defronte dos olhos e parece-me claro, não existem movimentos involuntários, sinto e percebo cada sinapse, cada movimento peristáltico ou respiratório, até mesmo cada pulsar de coração, são por mim sentidos, programados, reflectidos, máxima verosimilhança. Levanto-me com uma certeza, levanto-me e noto a tua cara enquanto ainda dormes que ao contrário de algumas que te precederam, não adquire contornos apatetados. Pareces tão serena, tão em paz, parece que te detecto um ligeiro sorriso enquanto dormes, sorriso que quando estás acordada, poupas ao máximo, o que acaba por fazer com que um dos teus raros sorrisos, me dê a certeza de qualquer coisa, o garante de algo que ainda não consegui definir de forma clara, talvez por falta de tempo, talvez por todo o tempo que eu tenho sirva para te apreciar, sirva para nos embalar nesta nossa deambulação no mundo, nas ruas, nas avenidas e caminhos de terra batida cercados por canaviais que bailam ao vento, que percorremos e onde acabamos, num recanto mais pardacento, por ter sexo sempre da mesma forma, levanto-te a saia ou baixo-te as calças, desvio-te as cuecas para o lado e penetro-te a olhar-te para a nuca, enquanto tu com ambas as mãos te apoias no que sirva para esse efeito.
Conversamos, filmamos, temos ideias e procuramos luz. Adoro que procuremos luz, tu para filmar, eu para escrever. Idealizamos parcerias. Belo Inverno este, cheio de períodos em câmara lenta e arrepios quentes na espinha, com casacos apertados que nos protegem do frio e tu cheiras sempre tão bem... o melhor aroma de todos, um aroma a inacessível. Sentados numa paragem de autocarro, captas as luzes dos faróis, dos semáforos, dos candeeiros, as reflectidas nas roupas das pessoas e no alcatrão molhado pelas chuvas que amiúde caem. Comemos num sítio qualquer, sempre a olhar mais um para o outro do que para a comida, eu nunca aguento muito e sorrio passados alguns minutos, tu ali ficas, estóica, com um ar sério e meditativo, eu, forte, consigo sempre resistir à tentação de te perguntar no que estás a pensar.
De mãos dadas e a sentirmo-nos belos dadas as palavras e os gestos que soltamos ou criamos, trespassamos propriedades privadas que tu pensas estarem abertas ao público e levo-te aos recantos onde ninguém leva as namoradas. Explico-te o que são salgueiros, plátanos, sequóias, urzes, gramíneas e o que mais aparecer. Deitamo-nos numa clareira e vemos lebres, corvos, melros, lemos passagens de livros à beira de um palacete decrépito que ameaça ruir, rebolamos e damos cambalhotas, fazemos o pino e por instantes, a consciência deixa-me sisudo: mais uma falta ao trabalho ou mais uma punhalada do realismo extremo, que me gela, que me faz ver vulgaridade em nós, banalidade, trivialidade, em mim, nos meus sentimentos, que me faz acreditar que tudo é falso e que estamos, claramente, completamente fodidos por dentro e que o que eu digo, digo apenas por soar bem.
Roubamos coisas nos hipermercados, no início achavas mal e ficavas mesmo nervosa e irritada, depois, expliquei-te a razão de não haver qualquer problema em roubar nos hipermercados, compreendeste e aceitaste, tal como aceitaste a grande maioria das minhas filosofias e regras morais a que eu dedico tanto tempo. Mostras-me as tuas roupas novas e eu gosto, mostras-me os teus pratos novos e eu gosto, cozinho para ti e tu gostas. Damos moedas sempre que podemos aos indigentes que as pedem e, sentimo-nos bem.
Urbe. Morreu a cidade, morreu e vai ressuscitar com pernas e braços, vai agarrar as gentes e pontapear os carros. Vai erguer-se e separar-se dos esgotos, das cavernas, dos abrigos subterrâneos, da rede do metropolitano, vai-se embora e deixa-nos com a porcaria que não víamos, com o lixo que largávamos.
Numa noite em que tínhamos andado a fotografar de tudo e mais alguma coisa e observado as gentes que se aglomeravam para tentarem ser felizes ou esquecer a sua infelicidade através do álcool que nunca tornou ninguém feliz, prosperavam entre nós comentários acerca do quão importante era para as gentes parecer qualquer coisa, melhor ou pior, mas nunca elas próprias. Agarrados, numa esquina sobrepovoada, chamávamos a atenção um do outro para olhares, para os brilhos infelizes que o sorriso camuflava mas não apagava; os movimentos corporais podiam ser expansivos, as parvoíces podiam sair a mil da boca, mas num momento, num instante, lá estava, a centelha da infelicidade, da depressividade tantas vezes ignorante. E tu fotografavas, tentavas de maneira discreta, captar essa luz sincera, esse momento revelador que as pessoas tentam a todo o custo esconder, porque sabem que as outras não têm paciência para tristezas, não querem levar com macambúzios, sisudos, pessoas com problemas, procuram antes, gente alegre, gente de piada pungente e que goste de se divertir daquele modo grotesco, que é ir para um sítio ruidoso para assim não haver necessidade de manter um diálogo.
Já muito cansados e a uma hora tardia, parámos um bocado num miradouro, porque sentimos que ainda não é hora de ir para casa, sentimos que as nossas conversas, os nossos olhares, começam a atingir outro nível de cumplicidade, provavelmente idiotice nossa, mas ali ficámos, endiabrados por paixão e cheios de frio, a ver a cidade em sofrimento psicótico, porque nem dorme nem acorda, está por ali atordoada com as luzes artificiais que lhe baralham os sentidos durante aquelas horas que não passam, apenas se vão liquefazendo e escorrem em direcção às sarjetas para povoarem a escuridão e mórbida fertilidade dos esgotos. Gritos, uivos, rugidos de dor, raiva disfarçada de amor e ausência de contenção, viemos a saber que nesta noite alguém foi assassinado, o que explica os guinchos frenéticos das viaturas de emergência e as fugas de gente mal apessoada com a boca cheia de palavrões e namoradas que se esforçam demasiado para parecerem ter mamas maiores e o rabo mais espetado.
- Queres dançar? – pergunto-te ao ligar o mp3 que permite que se oiça a música baixinho através dos auscultadores.
- Sim.
Respondes e agitas-te languidamente, eu noto o teu cabelo humedecido pela geada que cai de forma sub-reptícia. Dançamos agarrados e a sorrir, eu já de olhos fechados porque me ardem e tu acendes um cigarro para que oiçamos o barulho do papel a queimar, que ambos adoramos.
Venho do trabalho, quase nunca te encontro em casa e gosto. Gosto de estar um bocado a olhar para as tuas coisas, aquece-me a mente. Olho para a loiça que usaste e deixaste desarrumada, para roupa interior espalhada em cima da cama, porque estiveste a escolhe-la quando te levantaste, às 10, às 11, às 16. Adoro ver a casa acabada de usar por ti, sinto a tua intimidade a pairar por ali, o odor do teu perfume, o teu calor, parece que os teus passos, os teus movimentos, deixaram um rastro que ainda se nota pelo corredor, no quarto, na sala, na almofada… desejo-te tanto… Encontro um bilhete que escreveste para mim e colocaste dentro da concha enorme que um dia encontrei numa praia. Gera em mim algo ambíguo. Fico abatido por teres acordado tão tarde e teres ido ter com uns tipos que provavelmente te querem separar de mim, porque o mundo quer separar-me de ti, é sempre assim, mas por outro lado, fico tão contente pela consideração, pelo conteúdo. Como qualquer coisa e da pequena varanda espreito para a rua e sei que me basta esperar, que a felicidade virá ao meu encontro. Já não tenho de procurar nem desejar nada, basta esperar, esperar um pouco... claro que nunca há um dia em que não receie que já não regresses, mas, quando estou mesmo a assustar-me com esse pensamento que apesar de surgir cedo, demora muito a adquirir credibilidade, lá vens tu, de regresso, com a tua franja e vestido castanho, com as tuas pernas sempre tão bem depiladas e graça natural em todos os movimentos conexos ou desconexos que faças.