sexta-feira, abril 23

o que é para manter

quinta-feira, abril 22

leitura 4 ou quotidiano

"(...) caminhava horas pela cidade sem parar, inventando histórias na sua imaginação, construindo relações humanas e amizades que não existiam. Esforçara-se por apenas isso: também com os dias normais: os dias que esperam pelo humano para que este decida o que fazer deles. É que durante anos fora treinado no instinto contrário; o instinto de aceitação, de disciplina total, de ordem: o dia surgia-lhe à frente já preparado, medicado, dir-se-ia - não no sentido farmacêutico, mas num sentido quase de engenharia: o dia seguinte estava já resolvido, construído, as perturbações e os exageros haviam sido afastados, a rotina diária era uma simplificação impressionante da existência. Os dias eram isso mesmo: medicados" Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

leitura 3 ou identidade

"Ele mantinha-se um homem vulgar, sem qualquer qualidade excepcional; havia nele, (...), apenas a marca do menos, do que lhe faltava em relação aos outros humanos, e nada do outro lado para compensar ou atenuar: nenhuma habilidade artística; nenhuma ocasião excepcional lhe surgira - (...) - para poder ser herói momentâneo; a existência mantivera-se a uma altitude estável (...). Inconscientemente todos exigiam algo mais: uma carga positiva forte, uma invenção inesperada, uma mulher que se encontra; ou filhos, pelo menos, que assinalem nos dias actuais uma energia importante que justifique a espera, que faça suportável o facto de nada acontecer agora." Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

terça-feira, abril 20

"Se alguma vez vir um amputado a ser enforcado, começo a gritar letras" Demetri Martin

quarta-feira, abril 14

leitura 2 ou missão

"(...) cumpre rigorosamente este regime de silêncio. Não vê ninguém, não fala com ninguém, e, gradualmente, começa a sentir-se um pouco mais forte na sua solidão, como se os rigores que impôs a si mesmo o tenham de algum modo enobrecido, devolvendo-lhe a pessoa que em tempos imaginava ser." Paul Auster, Invisível

leitura 1 ou memória constructiva

"Dás-lhe um copo e depois sentas-te ao lado dela no sofá. Durante vários minutos, nenhum de vós diz uma só palavra. Enquanto bebem os vossos scotches, os olhos fixos na parede em frente, vocês já sabem o que é que vai acontecer esta noite, sentem-no como uma certeza no vosso sangue, mas sabem também que têm de ser pacientes, que têm de dar tempo ao álcool para actuar. (...) Quando é que tudo começa? Quando é que a ideia que se agita nas vossas cabeças se traduz por uma acção no plano físico? (...) Prometeste a ti mesmo que não darás o primeiro passo, que não tocarás nela enquanto ela não tocar em ti, pois só então saberás sem a menor sombra de dúvida que ela quer aquilo que tu queres e que tu não interpretaste mal os desejos dela. Estás um pouco bêbedo, claro, mas não clamorosamente bêbedo, não ao ponto de perderes o discernimento, e tens inteira consciência das implicações daquilo que vocês estão prestes a fazer. (...) Mas tu estás-te nas tintas para isso. Porque a verdade pura e simples é esta: tu não te envergonhas do que sentes. (...) Ela pergunta-te: Estás com medo? Tu dizes-lhe que não, não estás com medo, estás extremamente feliz. Também eu, diz ela, e, depois, beija-te na face, muito ao de leve, não mais que um suave aninhar-se contra ti, não mais que um simples roçar de lábios na tua pele. Compreendes que tudo tem de se passar muito lentamente, que tudo tem de avançar com os mais pequenos dos passos, que, por um longo período , será uma hesitante dança de sim e não, e tu preferes que seja assim, pois se um de vós por acaso se arrepender, haverá tempo para recuar e parar. A maior parte das vezes, é preferível que aquilo que excita a imaginação fique confinado ao reino da imaginação (...), ela é sensata o suficiente para saber que a distância entre pensamento e acto pode ser enorme, um abismo tão imenso como o próprio mundo." Paul Auster, Invisível