domingo, maio 23

Receptáculo

Ao invés de me limitar a ser profunda e lentamente infeliz, vou ser infeliz enquanto desprovido de virtuosismo, escrevo: De tempos a tempos existe algo que move o ser por excelência miserável. Não tem de ser nada em particular, não são precisas centelhas, fogos, reverberações de essências quiméricas; pode acontecer ser apenas uma actividade comatosa, um objectivo mais ou menos tangível, uma fagulha já sem incandescência, uma pessoa que nos fascina apenas por ser uma estranha com um pensamento distante da nossa teoria da mente ou com um odor completamente misterioso dado o desconhecimento e a distância até então. «Como seria a fragrância daquela pele clara, fina, gasta por vivências pesadas e pelo fumo do tabaco...» Hoje vou referir-me a um par de dias onde algo me moveu, uma pessoa. O treino para não querer saber é igual ao treino para matar, é algo que se torna inútil a partir do primeiro e mais baço brilho que surja no horizonte da nossa tépida imaginação. Tão gasto… horas e horas sempre a pingar, gotas de destino sem nada que as distinga, sem nada que as torne memoráveis nem mesmo recordáveis. Eu dou o primeiro sinal, por mero acaso e sem qualquer convicção e, obtenho resposta: um brilhozinho do mais modesto que me ressuscita o espírito, deixando-o num profundo mal-estar dado todo o treino para não sentir vida ou remorso. Segue-se um diálogo onde o doentio e depressivo entusiasmo emerge a cada linha, mas, eu sempre soube o que se haveria de seguir, soube mesmo. Tem de ser assim, pois eu sou eu e tu és tu. Deixei de o saber porque, por distracção, possivelmente, fiz força durante alguns momentos de olhares mal cruzados. Não cheguei efectivamente a ter esperança de coisa nenhuma. Parti na sua direcção, já de noite, calmo, em paz. «Oh! que bela! estes movimentos, esta gesticulação… 4, 5, 6… nem pensar, nem pensar.» Processo todas as suas frases e gero um veredicto negativo que me apazigua as entranhas… mas irrita-me a pele, os dedos e os lábios, coisas por natureza sequiosas. Mas cá dentro, no mundo da víscera, tudo bem. Ainda tento uma segunda vez, só para resolver as coisas de uma vez por todas, pois nunca gostei de me alimentar através de um titubeante conta-gotas repleto de bolhas de ar. Fui apenas um receptáculo, servi para ouvir e emitir opiniões em concordância com o que de mim se esperava, embora, por momentos, tivesse uma tumultuosa vontade de te compactar contra o muro e após um par de momentos de uma luta frívola, aliviava-me através do teu franzino corpo. Se sentiria remorso? Acho que não. Acredito até, que após a resistência inicial irias ceder e unir-te a mim de forma hedonista. Não, talvez não tenha sido apenas um receptáculo, talvez seja também, uma história para o próximo miserável que ali vá parar. No fundo o que de mais forte ficou foi a vontade de esfaquear o teu vizinho; com o cuidado devido, pois não gostaria de danificar a minha lâmina numa costela mais dura daquele ser asqueroso. Seria tão bom… Fazia-lhe uma gravata com o meu braço esquerdo, mesmo com muita força, até saltarem à vista todas as minhas veias e enquanto aquele suíno que por acidente se viu humano, espernearia e grunhiria, eu, com um movimento veloz e seco, espetava-lhe a faca no estômago, rodando-a em seguida para ter a certeza que aquela adiposidade acumulada não iria fechar a ferida. Depois, sentia-o a contorcer-se todo, absorvia todos os seus movimentos de dor e agonia através do meu corpo que lhe ia tirando o oxigénio, chegando ao ponto de conseguir prever as suas próximas tentativas para se libertar, dada a ligação que se iria criar entre ambos, seriamos um só ser enquanto eu o matasse. Com sorte, conseguia perfurar algum órgão interno ou uma serosa qualquer e o sangue ia-lhe pulsar da boca e do nariz, causando uma sensação parecida à da obstipação nasal quando uma daquelas gripes mais agudas. Enfim… foi o que ficou. Mais um grande Nada.

segunda-feira, maio 10

Papa aqui

Quando se ouve (ou lê) alguém como o Miguel Esteves Cardoso dizer que Terry Gilliam é o pior realizador de sempre, é fácil confirmar a teoria de que o "cronista" nunca usou umas cuecas coloridas ou com bonecos. (E, em jeito de post scriptum, poderia ter usado também preservativo, para não nos prendar com duas chaimites que parecem ter sido cagadas pelo Mário Crespo após uma bela dobrada).

terça-feira, maio 4

pela ocasião da visita do papa