sábado, junho 26

Pela noite dentro... (não ler antes do anterior)

Voltou e abraçam-se com tanta intensidade que tudo à volta parece espiralar. Tinham-se abraçado esta tarde quando o sol estava no seu zénite, mas parecia que já não se viam há imenso tempo, parecia que tinha havido todo um Vietnam a separá-los. Tocam-se no conforto do quarto que fica no sótão da casa dos pais, ligeiramente, lentamente. Beijam-se sob a meia-luz bruxuleante e riem-se com os cuidados que adoptam para não fazerem algum ruído constrangedor. Parece que o pior já passou... 6 dias e mais um bocado de outro pela frente, 6 dias e um bocado de outro sem preocupações, sem arrelias e angústias, querem aproveitar... Fazem um sexo decente, com amor e coisas boas que não posso saber descrever, o que não é grave, pois provavelmente todos os merdosos que lêem esta trampa também não fazem ideia daquilo a que me refiro, portanto, mais vale ser generalista e não entrar em detalhes que levariam para o campo feérico/fantástico.
Corre tudo bem e os cigarros à janela que inventaram no sótão, são de um alívio serotoninérgico. Ele, que esta noite tanto sofreu, está tão bem-disposto, ostenta o sorriso de piano mas, por um segundo, caralho, lá vem aquele demónio, aquela merda fodida que corrói mentes e impede que as pessoas sejam felizes, impede que usufruam dos momentos. O coração acelera, o raio do sangue pulsa com uma veemência cortante. Treme com a expiação que lhe fremita o soma, uma voz na sua mente fala-lhe de ódio, em raiva, punição. Abre a mala que ela levou quando saiu há umas horas, encontra umas cuecas pretas que ela vestiu antes de sair e, estão todas meladas, cheias de riscos e borrões brancos.
Pois é, capaz de ter gostado...

Da minha janela.

Da minha janela, vejo o meu vizinho, sentado no quintal, em cima de uma espécie de passeio que ladeia a relva bem tratada. Fuma um cigarro e dentro da sua ridícula t-shirt cor-de-rosa, espera que a mulher chegue. É bem apessoado, nota-se que foi mimado mas agora, parece-me algo impaciente e pensativo. Todos os sábados ela sai, a seguir ao almoço. Noto-lhes a despedida pesarosa, como se fossem separar por meses, anos, ideologias, mas, ela volta de noite, 21h, 22h, 00h, 3h... Acaba sempre por chegar e eu, cá de cima costumo contemplar o seu traseiro voluptuoso e claro, as raízes capilares que espreitam do centro da sua guedelha loira.
Lá continua ele, com os seus jeans gastos mas que parecem novos, a deixar queimar o cigarro entre dedos enquanto cabisbaixo fixa a relva que a esta hora é verde-escura. Passa o autocarro da fertagus e a minha janela trepida. Em que pensará? Porque está ansioso? Sentirá uma ligeira frustração por ter de partilhar a casa com os pais ou sogros, pois não sei bem o que lhe são? Tem medo que não volte? Teme que tudo o que fez, tudo o que cedeu, que foi praticamente nada, seja em vão?
O céu que nos alberga está estático, parece uma pintura impressionista. Sinto que estou aqui num momento sem tempo. Nada se move, os gestos que se fazem não contam para nada, ela não vai regressar porque nada avança neste período, nada se altera, nenhuma circunstância muda, não há notícias para o telejornal, o cristiano ronaldo não se mexeu, não deu um erro ortográfico nem soltou um flato. Nada... Os ponteiros do relógio avançam o sol mexe-se mas, há bruxos por aqui.
Agora está em pé e caminha um pouco, ciranda dentro de dois metros quadrados e nada mais se mexe, nem os ramos das árvores abanam; os carros passam, mas são de enfeite, tudo artifícios para pensarmos que as coisas continuam, mas estamos parados, nada de real se altera. Isso deve explicar porque ela ainda não regressou para ti e porque raio me atiçam e depois ignoram. Devem crer que eu descubro o caminho.
Perdeu a paciência, atirou o enésimo cigarro para a estrada que passa em frente à casa e com uma descontida fúria, tira o carro do quintal e segue para Este.

sexta-feira, junho 25

Todos somos potenciais ditadores

Inicialmente tentava passar despercebido, ainda assim, sentia-me agoniado por não poder dizer aquelas coisas que eu julgava importantes e geniais - era tudo uma merda. Tretas de suburbano encharcado por uma falsa moralidade que ingenuamente incorporou. Não conhecia nada, mas, como ficava acordado durante a noite, quietinho sob os lençóis, cheio de medo do dia de amanhã e sem poder ficar a ver TV porque a mãe não deixava, tinha muitas ideias que gemiam com a vontade orgástica de serem ouvidas. Felizmente, era cobarde e ficava calado, diastema escondido, olhos apagados.
Depois, consegui um certo conforto, provido, provavelmente, por uma barba e por poder ficar na sala até tarde, o que deu todo um novo sentido à minha vida e ao meu onanismo. Como já não necessitava de estar constantemente preocupado em sobreviver de uma forma digna, como já não era uma espécie de presidiário letrado e etiquetado como meretriz, queria mostrar-me, falar, expor, exibir o jargão específico do diletante no cio, AUUUUUUUUUUUU. Falava com este, com aquele, contigo, comigo; discutia, ia para chats, fóruns e era pedante ao máximo; humilhava era humilhado, uma guerra constante. Encontrava-me com tipas para poder dar uso ao verbo, uso a uma atitude cheia de palavreado e pouco olhar. Era eu, aquele tipo, calado mas sempre a pensar em falar, no que dizer; por vezes, estava 15 minutos em silêncio, mas era apenas uma moratória, ganhava tempo para aplicar aquela frase petulante, chocante. Descobri palavras, mais tarde, descobri, após uma ou outra vergonha, como pronunciá-las. Toda uma relação promiscua, entre mim e o diabo, digo, diálogo. No trabalho, falava, com a família, falava, com amigos, com estranhos, professores, estudantes universitários, pessoal do tele-marketing, religiosos, lojistas, engates, pseudo engates, gajas feias e gordas que conseguem ser profundas e começar a falar de sexo quando sentem que nos estão a perder para um filme, uma série, pornografia. Falava com tudo e todos e até tentei declamar poesia para poder dar mais uma foda na Nádia que tinha namorado "-Quero que me fodas, quero que me rebentes o cu todo!"
Agora... agora já não tenho paciência para falar, evito os contactos, calo-me perante a sombra da altercação, por mais modesta que seja. O idiota já não me apoquenta e não me incomoda que a minha ausência, a minha abstinência o faça sentir-se possuidor de uma qualquer razão. De que lhe serve a razão? Se ele a expuser, a mesma não trará qualquer sentido ao receptor. Já não tenho paciência para mostrar a minha razão,a minha cândida iluminação; para demonstrações concisas que arrebatam uma audiência mesquinha, tacanha. Discordam comigo e dizem bestialidades? Não me dou ao trabalho, mas, secretamente, desejo aparecer-lhes à socapa, numa noite destas, e cortar-lhes a garganta, eliminar o pungente vírus da estupidez. Só isso, sorrateiramente, matar e poupar-me a argumentos.
Pois é ditadores...
Por agora, fico-me por aqui, sentindo-me um grande gânglio linfático depois de uma infecção qualquer. Não sai e nada e pior, não há vontade de tentar que saia, pois vai arder, vai magoar. Tenho de fazer muita força para falar, para ouvir. Cada vez mais escuto apenas zumbidos quando os outros falam e quando começo a falar, tomo nota mental de quão irritante eu sou, acabo a frase e digo para mim mesmo "foda-se, não vale mesmo a pena, perdi..."

segunda-feira, junho 14

Esta Madrugada

Em breve, falarei desta madrugada... Agora não consigo, pois os olhos que me ardem horrorosamente, não permitem que copie para aqui o que escrevi no caderno.

domingo, junho 6

Mais um dia

É sabido que as pessoas só querem falar e que, custa-lhes a ouvir seja o que for quando lhes é dito directamente. Uma grande verdade. Na minha família a coisa aparece extremada: gritos, berros, uivos, dores de ouvidos, vozes em sofrimento que causam uma certa impressão aos momentaneamente obrigados a escutar. Quando um fala, aos outros, os olhos coriscam de cólera, tremem-lhes os lábios, a mandíbula simula movimentos, toda uma tensão os prepara para a sua vez de conjugar uma idiotice qualquer, cronicamente interrompida a meio. Falam do trabalho e das questões ligadas ao mesmo e eu percebo que tenho uma família maioritariamente constituída por reaccionários. Fazer o quê...
Intermitam luzes amarelas atrás da agitada folhagem das árvores e passa um coelho à frente do carro. Sigo pelas tiras de alcatrão enrugado e com o vidro ligeiramente aberto, sinto, apesar da constipação, que aquela é a temperatura ideal para viajar de carro. É mesmo fodido, vivo ali perto e que já decorei onde estão os buracos maiores dos quais me tenho de desviar.
Tanto ódio e caminhos para fazer. Os segundos dão-me o dia e a noite e arrancam-me a vida.
Ao menos não sou um daqueles tipos que parecem sempre mais arredondados do que um ser-humano pode, na realidade, ser. Aqueles que precisam ser simpáticos e queridos durante toda uma década para terem onde montar. Depois, são como os outros, creio; quando se sentem seguros tiram a máscara bebem um gole de algo e questionam-se para quê tanto cinismo e falsete. Acho que isso me alegra, não ser um deles, um desses montes de merda com a sua peculiar forma de apelo. Alegra-me amiúde, poder ser uma besta e ainda assim, haver quem se interesse, quem olhe para mim duma forma que apesar de não revelar qualquer encanto ou fascínio, diz-me que não se importa, que me tolera e não quer saber de certas merdas que para miríades de gentes, seria impeditivo. É bom não ter de fingir, não ter de sorrir nem ter de ser sempre politicamente correcto. É bom poder ser negro, fazer piadas escatológicas, fazer o apanágio de perversões, usar o humor que me apetece; é tão bom poder fazer as piadas que quero, sejam apropriadas ou não, não preciso que venha um gato fedorento para me libertar um pouco mais do jugo das efemérides, não preciso de um best seller, de um tipo na TV, de um revolucionário que me conduza o verbo para leste ou oeste, eu posso dizer sempre o que me apetece e ainda assim, só não tenho filhos porque não quero. Não tive de ser um fofinho nem de me meter com merdas e inventar que sou gay porque não me sinto homem suficiente para competir com os espécimes claramente mais favorecidos.
Depois existe outro tipo de fofinhos queriduchos mas que, a dada altura não foram bem sucedidos no performar da sua arte de olhar de cachorrinho abandonado e penteados giros que levam a um passar de mão e comentários como "tão giro" e "és louco", então, mutaram, deixaram as brincadeiras inocentes, deixaram de ser uma bengala emocional, deixaram de ir lamber o esperma alheio e tornaram-se os sedentos da cretanina, dos anabolizantes, catabolizantes, das vitaminas e batidos, do cagar mais que os outros, dos isotónicos e dos enormes recipientes de plástico com pós para misturar na água. São os espartanos de pénis pequeno, os cavalos das rações, das regras, dos segundos, dos quilogramas a mais ou a menos, dos pesos, das ranhuras, dos olhares narcísicos ao espelho e da vascularidade sebácea polvilhada a cintilantes pústulas. É outra forma de ser queriducho, é outro vicariante do insucesso. És baixinho e fraquinho, então engrossa para os lados e para a frente, mete um gigantesco e disforme V maiúsculo em cima da tua cintura e passeia-te com umas calças da salsa dentro do cu pustulento. Isso dá-te o direito de ires a decathlon com uma mediana qualquer e escolherem a tenda onde vais ressonar e em segredo, sentir-te tão pequeno quanto antes.
Pelos vistos posso dar graças por qualquer coisa, posso dar graças por ser de uma mediocridade genuína que não precisa de um invólucro ou de um preço especial, para ser consumida.