domingo, julho 14


sexta-feira, julho 5

Gravidezes

Hoje nasceu em mim a convicção de que há mulheres que engravidam só para terem garantido um lugar nos transportes públicos. Só isso. E para serem tratadas com reverência. E para receberem congratulações por terem consumado uma cópula, por vezes até por engano.

E também as há porque não têm outro objectivo na vida além de procriar. Como uma mosca, afectam o ambiente à sua volta, mas o seu propósito é a continuação da espécie. Para estes casos digo: que se fodam o córtex pré-frontal e polegares oponíveis.

quinta-feira, junho 27

Post saudosista

Reli alguns textos deste blog. Confesso que apenas li na integra os mais curtos ou os mais badalados. Li com gosto, com prazer até. Lembrei-me daquilo que fomos, um dia, em conjunto em directo e diferido. Lembrei-me das situações que originaram alguns dos posts. As conversas, as discussões, os monólogos onanistas a que alguém assistia por acaso. As reverberações apáticas, as observações penetrantes, as reminiscências saudosas.

Lembrei-me de quando não havia vacas sagradas, de quando tínhamos uma piada para qualquer ocasião, qualquer fenótipo urbano, qualquer desabilidade ou debilidade, qualquer má sorte na vida ou má vida na sorte. Lembrei-me que VIA as coisas e as pessoas. Os momentos surreais que surgiam espontaneamente transformavam-se em mais um elo na corrente que nos unia. E lembrei-me do tempo em que, se escrevesse uma frase que contivesse “(…) mais um elo na corrente que nos unia”, seria gozado por mim próprio por estar a perder o mísero orgulho literário que sentia ao escrever alguns dos meus textos. Hoje sinto pena de mim não só por ter escrito esta frase, mas principalmente por não a ter apagado e substituído por algo realmente belo e com significado. Não que uma corrente invisível a unir um grupo de tipos com interesses relativamente próximos seja uma ideia feia, apenas é uma ideia tão gasta como um pré-reformado por invalidez.

Senti-me de novo nas horas surreais do Bairro, em que acontecia sempre algo digno de Man Ray ou de Buñuel nas ruas, nas pessoas, em nós. Apesar de as lentes do álcool distorcerem a realidade tornando-a mais real, penso que talvez me sentisse noutra dimensão se me cruzasse com as mesmas pessoas, com as mesmas situações, hoje, a uma hora qualquer, a uma qualquer sobriedade.

O dinheiro corrompe. Muito ou pouco, corrompe. Éramos pobres, muitas vezes a pedinchar algum dinheiro aos pais para sair e beber umas litrosas enquanto dissertávamos sobre o real significado do que fazíamos ali, sem sequer falarmos directamente disso, ou nos claustros da faculdade, ou na pensão, ou num qualquer café ou esplanada, ou numa qualquer caminhada. No entanto, a cada gole, a cada piada, questionávamos o que poderíamos fazer de melhor ou de diferente do que estar ali, juntos e a compartilhar o que nos movia. A resposta a esta questão nunca colocada era sempre a mesma: podíamos estar em qualquer lugar, mas nunca seríamos tão genuínos da nossa miséria como aqui.

Somos diferentes, sempre fomos diferentes. Sempre quisemos ser diferentes, apesar de admirarmos as nossas diferenças. Nunca quisemos ser o outro, mas admirava-mo-nos. Apesar disso, retive um comentário de uma leitora/comentadora de um post do Homem da Fruta, que inicialmente ela pensava ser do Nada. Esta leitora/comentadora escreveu, numa citação livre e de memória da minha parte, que “estão a ficar todos parecidos” (nota: esta leitora/comentadora era parte da horda de seguidoras/conquistas/rejeições do Nada, esse séquito que nos seguia para acompanhar a evolução literária deste que agora é o nosso escritor publicado, e que contribuiu para a visibilidade deste blog, pelo menos num período determinado). Realidade: não éramos parecidos. Realidade: tínhamos muitas parecenças. A genuinidade com que olhávamos e sentíamos o mundo era partilhada. Também o cinismo e o descontentamento mundano nos tornavam parentes próximos no sentir.

Gosto-vos e sinto-vos a falta. Como ser complexo e social, sinto um défice na minha pessoa. Não sou completo sem vocês, e só a vossa memória serve de placebo.

Ao reler o blog, lembrei-me de dois versos meus de um poema sofrível. Dos versos, apenas um é originalmente meu, sendo o primeiro adaptado/roubado do Molero de Dinis Machado. Ao ler o blog senti o seguinte: “Coração: bússola doida/Não há só o norte, há também a vida”. Explicando: não vou explicar pois perde a beleza. Explicando: não há só trabalho, há também o resto. E nesse resto, entram também vocês.

Digam alguma coisa, vá. Não sejamos tímidos nas vossas geografias e partilhe-mo-nos mutuamente. Que se foda o facebook, que se foda o twitter. Falemos todos, novamente, como no passado. Façamos uma última ceia com o nosso messias inexistente ao centro, ou com um jarro cheio ou meio vazio como messias.

No outro dia, bebi uma sangria da ginjinha das gáveas e soube-me a saudade. Soube-me a surrealismo, a bizarria, a melancolia, a desgosto, a sarcasmo, a vida, a amizade.

Aqui segue uma sample de uma conversa, pelo finado Messenger entre dois elementos deste blog, Homem da Fruta e Chigurh, só para ilustrar o que se passava:

Homem da Fruta: já foste sair com a c!@_b&7’?

Chigurh: foda-se não

HdF: era giro

C: era o que me faltava

HdF: perguntares "então, c!@_b’@, gostaste de levar na cona?"

C: ahahaha

C: assim do nada

HdF: e a $0r&7’ responder "sim, ela gostou muito, e é squirter"

C: ahahaha

C: era muito bom

C: podia ser que calasse a conversa do trabalho da $0r&7’

Hdf: "ao inicio sentiu-se envergonhada, porque pensava que o orgasmo era o mesmo que mijo, mas depois eu expliquei-lhe que era uma coisa, que algumas senhoras têm"

C: Ahahahhaha

C: muito bom

C: devias por isso no Blog

HdF: "agora até já se masturba... o inconveniente é que tem de lavar o chão muitas vezes, senão fica peganhento"

C: a $0r&7’ estava lá para gemer

Quatro ou cinco anos depois desta conversa, finalmente está postada no blog. Quatro ou cinco anos depois da personagem ter perdido a virgindade.

Digam coisas, vá.

sexta-feira, março 15

C sharp


Num canto da sua mente surgia-lhe uma música clássica que lhe pareceu ligeiramente familiar. Os seus olhos encontravam-se fixos naquele ponto abstracto da parede, que à força dos movimentos bruscos, embora compassados, se transformava em riscos ilusórios contra o branco. Os sons que ecoavam nas paredes daquele espaço pareciam não importar. Nem tão pouco os corpos que partilhavam aquele espaço.
A sua mente quis concentrar-se em descobrir apenas o nome daquele trecho que reverberava nos seus neurónios e tudo o resto ficou mergulhado em algo aparentado ao som subaquático: abafado, lentificado, difuso. Sentiu algo viscoso de encontro à sua pele, que não identificou. Esta subtil deixa improvisada, fê-lo fincar com mais força os dedos nas ancas do corpo que acidentalmente, visto não ter dado pela troca, sodomizava. Devido ao som dos gemidos abafados pensou que estava a ser bruto e abrandou o ritmo das suas ancas.
Os músculos responderam, os gemidos abrandaram. 
Tinha agora apenas uma semi-erecção. “ Talvez o álcool…”, desculpou-se, fingindo.   Não interessava.
Onde teria ouvido pela última vez esta melodia?