quarta-feira, abril 6

Silicone

Silicone. Tubo de plástico com um bico sugestivo, recheado de uma massa viscosa e suave ao toque, a aparentar uma plasticina mole de criança. Utilização universal. Isolamento de superfícies, estético, ou outro. Ao colocar um tubo de silicone na respectiva pistola, sinto sempre um arrepio de excitação. O que sairá daquela ponta fina, em que proporções, conseguirei espalhá-la bem? Será o ideal para uma cozinha ou casa-de-banho? Isolarei as frestas dos azulejos de forma eficiente? Quão isolante é de facto a silicone. Antecipo o cheiro fétido, a cera de ouvido passada de prazo. Cheiro que penetra nas divisões agraciadas durante dias a fio. Antecipo o alisamento da superfície da massa aplicada, preparando jornais e rolos de papel de cozinha para limpar os restos rebeldes que saem da linha normal. Troquei de marca, para uma mais cara 1€ do que a habitual. A habitual saiu com uma limpeza mais enérgica. Preciso de algo que me dure mais do que alguns dias no sítio. Tenho dúvidas se será melhor. A desilusão será maior se não o for, maior em pelo menos 1€. Corto a ponta isolada do tubo de plástico. Enrosco a ponta fina para uma aplicação mais precisa. Monto o tubo na pistola de metal. Começo a apertar o gatilho. Sai uma linha fina de massa, brilhante e branca. Apelativa, como um qualquer doce da casa acabado de fazer. Aliso a linha com uma espátula. Inspiro o aroma da massa e sou surpreendido. Não existe um cheiro agressivo, insultuoso aos receptores nervosos, que levam habitualmente a um franzir de cara até se dar a habituação ao cheiro. Sinto antes um cheiro agradável, difícil de identificar à primeira. Limpo a espátula a uma página de um qualquer obituário, manchando de branco as fotografias de antepassados mortos, também isolados, não por silicone mas por solda. Levo a página de jornal com a massa ao nariz. Menta. Sim, menta. Chamo uma testemunha para me desmentir, mas sou confirmado. Silicone com cheiro a menta. O isolamento está casa vez mais apelativo. A silicone cheira a menta, o tesa-mol é suave e macio ao toque, na soldadura vemos um pequeno fogo-de-artifício privado, na vida somos confrontados com possibilidades infinitas e indefinidas de sermos realmente algo de bom. O isolamento é apelativo, mas cumpre a sua função: isola.

terça-feira, abril 5

mjam mjam

Although it resembles a chouriço or other meat sausage, its taste is not meaty; it's tangy (but not hot), with a doughy texture and has a somewhat sweet finish in the palate. It is never cooked sliced unlike other sausages since its dough like content would pour out of the skin during cooking.

sexta-feira, abril 1

Democracy

" Her stare is a gaze, and my gaze back is the beginning of it, and I imagine the future: Why do you hate me? I imagine a girl's anguished voice. What did I ever do to you? I imagine someone else screaming. " Bret Easton Ellis in Imperial Bedrooms

terça-feira, fevereiro 22

Spam (que outro título?)

Escrevo mais uma vez o meu endereço de e-mail e password. Enter. Nada de novo. Newsletters de sites de emprego duvidosos, muito spam, muito lixo. Ofertas de uma sessão de talassoterapia por 21€. Ainda me questiono se a minha mãe ia gostar.

Base de dados. Actualização. Inserção de dados. Fico feliz por ter acesso ao meu mail, por poder ver, nos momentos mortos, os mails em corrente com o último cartoon sensação, ou com uma piada reciclada sobre um acontecimento recente. Refresh no e-mail. Nada de novo. Refresh. Refresh. “Get V14GR4, 50% OFF”. Spam, spam, spam! Sinto-me por momentos, num sketch dos Monty Python.

Entrevistas de meia em meia hora. Tentar convencer pessoas a aceitarem um projecto caduco. “Vai ser uma óptima porta de entrada. A evolução na carreira é inevitável. É um projecto interessante para si. Vai aprender muito. Vamos contar consigo. A remuneração aumenta de acordo com o seu esforço e os seus resultados.” Secretária de novo. Relatórios de entrevistas com os mesmos veredictos: “Vai dizer alguma coisa amanhã. Neste momento, tem outros projectos mais interessantes. Não é o projecto que pretendia.”

Escolhi (ou fui escolhido) para a profissão errada. Odeio pessoas. E tenho de falar com elas, sorrir para elas. Lidar com a sua estupidez. Com 4ª classe, com doutoramento, são todos estúpidos. O que me faz odiar as pessoas é pensarem que me podem enganar e tomar-me por estúpido. Não sou estúpido. Repugna-me a estupidez. Spam, spam, spam! Informação inútil, que nos é imposta. “Faço parte do 3º Agrupamento de Escoteiros. Fui voluntária num lar de idosos. Fiz uns trabalhos por fora na área do entretenimento.” Muito me contam. Que bom, digo eu. Isso é muito estruturante, digo. É uma óptima experiência, digo eu. Mentira. Não é interessante, não contribui para nada. Têm o tempo ocupado. Óptimo.

Reuniões. Como modificar algo que está caduco à nascença, que outro tipo de estratégias podemos implementar para melhorar os números, não estamos a conseguir atingir os objectivos, o budget não comporta a estrutura do projecto. Spam, spam, spam!

Tenho de conseguir mais pessoas, tenho de conseguir colocar mais pessoas a trabalhar numa função odiosa e mal paga. Números. Números, números, números. Spam, spam, spam!

Os dias começam bem, sem percalços, com as notícias da rádio a acordar. Um sismo do outro lado do mundo, um líder da oposição crítico, a crise financeira a agudizar-se. Nada de novo, tudo na mesma. O ar fresco das manhãs de Outono na face limpa e fresca sabem tão bem como os dentes lavados depois de acordar, a nada de novo. Os transportes públicos que, às primeiras viagens da manhã, já têm um forte odor a ser humano fora de cativeiro. Olheiras, bocejos, alguém a comer uma merenda mista ou um folhado de salsicha por pequeno-almoço. Jornais de distribuição gratuita esquecidos (ou desprezados) nos bancos. Spam, tudo spam. Spam, spam, spam.

O entusiasmo da chegada ao escritório é fulminado pelo “bom dia” azedo de colegas com quem nunca se fala a não ser de números, ou pelo olhar propositado sem palavras que diz “tu não pertences aqui, não mereces estar connosco, não és digno da minha simpatia”. Crostas de snobismo e de inércia racham à tentativa de início de diálogo, mas não quebram. Desisto. Sinto-me com vontade de ficar na varanda dos fumadores o dia todo a ler a “Anna Karénina”. Apesar de obra-prima, tem spam. Páginas e páginas acerca do sistema agrário russo da última metade do século XIX. Não me interessa, apesar de ser um justificativo para o agnosticismo de Lévin, que mais tarde se reconverte ao cristianismo, depois de uma epifania, onde chega à conclusão de que sempre seguiu as máximas cristãs. Refresh no e-mail. Nada de novo. “Hi from an old friend!”, “Enlarge you p3n1s”, “Have your college certificate, from Harvarb University”. Spam, spam, spam!

Se odeio pessoas, a minha profissão é a adequada. Seleccionar pessoas, decidir sobre o seu futuro profissional. Ao odiar todos, vejo-os como iguais, não caindo na tentação de beneficiar alguém por simpatizar mais ou menos com uma ou outra pessoa. Todos são iguais. A mesma corja inane, monocromática e monoplasmática. Estúpidos, todos. Inúteis que nos são impostos. Spam.

quarta-feira, fevereiro 16

KNOW YOUR ENEMY!

sexta-feira, fevereiro 11

O que p´rái vem

Além da moção de censura, o Bloco podia propor uma mocinha de biquini. E o Carnaval que está quase aí à porta...
Latagonas tugas a abanar o courato com collants de lycra para não se notarem as elevações topográficas celulíticas, ao som de um qualquer sambinha polifónico. Como é lindo o carnaval de Loures...

segunda-feira, janeiro 31

venha daí a primavera!

terça-feira, janeiro 25

Amigo Ubíquo

Existe um grupo de pessoas que me irrita particularmente: as pessoas que presenciaram sempre uma situação, por mais absurda que seja, ou que, por defeito, conhecem alguém a quem algo do género aconteceu, ou que, por hipótese nula anterior, conhecem alguém que conhece uma pessoa a quem algo parecido sucedeu. O mais interessante será verificar que a idade cronológica destes indivíduos não comportaria uma quantidade tão grande de acontecimentos nem capacidade de fazer tantas amizades quanto relata. Vamos chamar a esta personagem o Amigo Ubíquo. Concretizando, quando se ouve alguém referir que "Fulano esteve em desintoxicação de heroína. Deve ter sido muito complicado", e o nosso Amigo Ubíquo replica "EU, uma vez, estive a ajudar um amigo meu a desintoxicar-se. Estive uma semana, com mais um amigo nosso, a ajudá-lo, num apartamento na Reboleira. Foi terrível, ele tinha dores, suava a potes, tinha frio e calor. Foi impressionante. Mas ultrapassou e agora é um quadro médio de uma empresa grande." E quando olhamos para o Amigo Ubíquo, é uma pessoa paraplégica, de meia idade, claramente sem vida social, muito menos com toxicodependentes. Da mesma forma: "Sicrano não tem conta bancária. Se calhar viu as suas contas serem encerradas por dívidas de familiares ou algo do género." E o Amigo Ubíquo: "Sim, eu conheço casos desses. Isso aconteceu a um amigo meu. Foi terrível. Todo o dinheiro que caía na conta era automaticamente retirado." Mais uma vez, não acredito. E mais uma vez, paraplégico/a, sem vida social. Teoria: vive por algum ente próximo (irmã/o, enfermeira/o, etc.). Teoria 2: vê muito cinema e séries, utilizando os acontecimentos (absurdos ou não) para tornar, aos olhos dos outros, a sua vida mais interessante e admirável. Rodeado por jovens e fracos de espírito, este handicapable conta as suas peripécias e conhecimentos, fisicamente impossíveis de desempenhar para si. Este Amigo Ubíquo existe. Já me apeteceu várias vezes rebentar-lhe as rótulas, mas ele não sentiria nada e isso não quero.

domingo, janeiro 16

Portuguese psycho

- Olá, pode pesar-me os kiwis?
- Ah, desculpe, desculpe, é que estamos aqui em arrumações.
- Não faz mal.
- Pode pôr aqui. E peço desculpa.
- Não peça desculpa que me faz sentir mal.
- São dos grandes ou dos pequenos?
- Dos pequenos.
- Ah, pareciam dos grandes.
‎- E quer ter sexo comigo?
- Mas eu sou uma senhora de 60 anos que trabalha no Continente, porque raio quer ter sexo comigo?
- Talvez goste de velhas, talvez seja perverso, talvez esteja muito triste...
- Quer instrumentalizar-me?
- Mas que raio de velha letrada é você?
- Hum?
- Ah, os kiwis eram dos grandes!
Vou-me embora e afoito, olho toda a gente nos olhos, fixamente. As pessoas desviam o cenho com superioridade e uma gorda sorri-me. Levo com o frio da ausência de ninguém, pois ninguém me falta nem eu falto a ninguém. O meu coração dá as badaladas da inutilidade e sinto o acre bafio da minha personalidade que, como uma mulher dos anos 80, se desleixou por se ter fartado de mim.
Nunca mais aqui volto.