segunda-feira, janeiro 31

venha daí a primavera!

terça-feira, janeiro 25

Amigo Ubíquo

Existe um grupo de pessoas que me irrita particularmente: as pessoas que presenciaram sempre uma situação, por mais absurda que seja, ou que, por defeito, conhecem alguém a quem algo do género aconteceu, ou que, por hipótese nula anterior, conhecem alguém que conhece uma pessoa a quem algo parecido sucedeu. O mais interessante será verificar que a idade cronológica destes indivíduos não comportaria uma quantidade tão grande de acontecimentos nem capacidade de fazer tantas amizades quanto relata. Vamos chamar a esta personagem o Amigo Ubíquo. Concretizando, quando se ouve alguém referir que "Fulano esteve em desintoxicação de heroína. Deve ter sido muito complicado", e o nosso Amigo Ubíquo replica "EU, uma vez, estive a ajudar um amigo meu a desintoxicar-se. Estive uma semana, com mais um amigo nosso, a ajudá-lo, num apartamento na Reboleira. Foi terrível, ele tinha dores, suava a potes, tinha frio e calor. Foi impressionante. Mas ultrapassou e agora é um quadro médio de uma empresa grande." E quando olhamos para o Amigo Ubíquo, é uma pessoa paraplégica, de meia idade, claramente sem vida social, muito menos com toxicodependentes. Da mesma forma: "Sicrano não tem conta bancária. Se calhar viu as suas contas serem encerradas por dívidas de familiares ou algo do género." E o Amigo Ubíquo: "Sim, eu conheço casos desses. Isso aconteceu a um amigo meu. Foi terrível. Todo o dinheiro que caía na conta era automaticamente retirado." Mais uma vez, não acredito. E mais uma vez, paraplégico/a, sem vida social. Teoria: vive por algum ente próximo (irmã/o, enfermeira/o, etc.). Teoria 2: vê muito cinema e séries, utilizando os acontecimentos (absurdos ou não) para tornar, aos olhos dos outros, a sua vida mais interessante e admirável. Rodeado por jovens e fracos de espírito, este handicapable conta as suas peripécias e conhecimentos, fisicamente impossíveis de desempenhar para si. Este Amigo Ubíquo existe. Já me apeteceu várias vezes rebentar-lhe as rótulas, mas ele não sentiria nada e isso não quero.

domingo, janeiro 16

Portuguese psycho

- Olá, pode pesar-me os kiwis?
- Ah, desculpe, desculpe, é que estamos aqui em arrumações.
- Não faz mal.
- Pode pôr aqui. E peço desculpa.
- Não peça desculpa que me faz sentir mal.
- São dos grandes ou dos pequenos?
- Dos pequenos.
- Ah, pareciam dos grandes.
‎- E quer ter sexo comigo?
- Mas eu sou uma senhora de 60 anos que trabalha no Continente, porque raio quer ter sexo comigo?
- Talvez goste de velhas, talvez seja perverso, talvez esteja muito triste...
- Quer instrumentalizar-me?
- Mas que raio de velha letrada é você?
- Hum?
- Ah, os kiwis eram dos grandes!
Vou-me embora e afoito, olho toda a gente nos olhos, fixamente. As pessoas desviam o cenho com superioridade e uma gorda sorri-me. Levo com o frio da ausência de ninguém, pois ninguém me falta nem eu falto a ninguém. O meu coração dá as badaladas da inutilidade e sinto o acre bafio da minha personalidade que, como uma mulher dos anos 80, se desleixou por se ter fartado de mim.
Nunca mais aqui volto.