domingo, julho 20

Fatal

Odeio sem grande força, desconhecer esta coisa que paira constantemente dentro de mim, não sei o que é, não sei o que me provoca, se é boa ou má ou apenas fruto da minha eventual imaginação. É algo que me pertence mas não é meu. Oiço-a a latejar na minha mente a cada passo que dou na rua e sinto que ela brota do meu solitário olhar, denunciando-se, entregando-se ao mundo de fora. Será que quer fugir de mim?

...normalmente, começa num fim de tarde de verão, quando somos novos e estamos de férias. Não, não a descobrimos com um sorriso reciproco ou um ligeiro tocar de epidermes que nos faz ruborescer. Aparece num olhar, quando estamos sentados num degrau e a vemos parar na sua bicicleta e fitar-nos nos olhos, entrando cá dentro, invadindo-nos tudo aquilo que apareceu há uns meses ou anos e que haviamos guardado dentro de nós no maior secretismo. Sentimo-lo logo, é imediato, ao vermos aqueles olhos que habitualmente são castanhos no pardo e verdes ao raiar do sol, sabemos que nos vão fazer sofrer, suspirar, que nos vão isolar e guiar para um caminho que nunca mais terá retorno se nos mantivermos fiéis à nossa essência, puros.
Outros olhares se seguirão, até ao fim, até não mais podermos ver. A sensação irá perdurar, resistirá ao cinismo, à suposta descrença, apatia, misoginia. E o olhar, circundado por formas diferentes, colorido por distintas tonalidades, continuará a aparecer, numa esquina, numa conversa, numa casualidade ou numa impresvista desventura e... nós o que mais faremos é simplesmente esquecer, esquecer que vimos aquele olhar de outrora, não olhamos para trás e deixamos que ela parta, que continue a descer a rua, para assim, mais facilmente desaparecer da nossa memória.

1 comentário:

Anónimo disse...

Eu também conheço esse olhar. Texto brilhante. O mais brilhante de todos.