quarta-feira, abril 14

leitura 1 ou memória constructiva

"Dás-lhe um copo e depois sentas-te ao lado dela no sofá. Durante vários minutos, nenhum de vós diz uma só palavra. Enquanto bebem os vossos scotches, os olhos fixos na parede em frente, vocês já sabem o que é que vai acontecer esta noite, sentem-no como uma certeza no vosso sangue, mas sabem também que têm de ser pacientes, que têm de dar tempo ao álcool para actuar. (...) Quando é que tudo começa? Quando é que a ideia que se agita nas vossas cabeças se traduz por uma acção no plano físico? (...) Prometeste a ti mesmo que não darás o primeiro passo, que não tocarás nela enquanto ela não tocar em ti, pois só então saberás sem a menor sombra de dúvida que ela quer aquilo que tu queres e que tu não interpretaste mal os desejos dela. Estás um pouco bêbedo, claro, mas não clamorosamente bêbedo, não ao ponto de perderes o discernimento, e tens inteira consciência das implicações daquilo que vocês estão prestes a fazer. (...) Mas tu estás-te nas tintas para isso. Porque a verdade pura e simples é esta: tu não te envergonhas do que sentes. (...) Ela pergunta-te: Estás com medo? Tu dizes-lhe que não, não estás com medo, estás extremamente feliz. Também eu, diz ela, e, depois, beija-te na face, muito ao de leve, não mais que um suave aninhar-se contra ti, não mais que um simples roçar de lábios na tua pele. Compreendes que tudo tem de se passar muito lentamente, que tudo tem de avançar com os mais pequenos dos passos, que, por um longo período , será uma hesitante dança de sim e não, e tu preferes que seja assim, pois se um de vós por acaso se arrepender, haverá tempo para recuar e parar. A maior parte das vezes, é preferível que aquilo que excita a imaginação fique confinado ao reino da imaginação (...), ela é sensata o suficiente para saber que a distância entre pensamento e acto pode ser enorme, um abismo tão imenso como o próprio mundo." Paul Auster, Invisível

1 comentário:

rameladoiro disse...

lindo. Obrigado r. Era isto que eu precisava.