quarta-feira, setembro 8

Uma breve história sobre o tempo

O despertador toca às sete e eu não acordo, nunca mais acordei. Não me recordo da última vez que adormeci, do último sono pacífico, do último momento tranquilo. Já não me recordo de quem era quando dormia.
Recordo-me de ter colocado o meu indicador no teu nariz, de passar os dedos pelas tuas gengivas e dentes. Lembro-me do toque… do teu aroma, da pele arepiada nas coxas… da textura dos teus lábios quando sóbria, da textura dos teus lábios quando estavas encharcada em meta-anfetaminas.
Respiro fundo de forma furiosa, enraivecida, de tremenda violência, mas não há qualquer alívio. Continua a pontada constante da angústia dentro de mim.
Ando pela rua, ando dentro do carro, pairo pelo trabalho, sempre em alerta, sempre à espera de uma chamada, sempre com receio que uma lágrima me denuncie toda a dor e fragilidade. Espreito pelas esquinas do meu ser, aguardo o momento do pique baixo do latejar, para conseguir ver a luz, aceitar o continuar. A custo me sustenho, facilmente me condeno e aceito o pouco que valho, o nada que sou. Sou um desesperado, um tipo completamente destruído por dentro. Criminoso o alento da esperança que numa noite nos engana e coloca uma máscara pouco polida na face.
A vista da janela hoje magoa-me. As horas não passam e nem sei se quero que passem, não vejo qualquer vantagem ou desvantagem em que passem. Ficar parado neste momento ou continuar a viver, é tudo demasiado parecido para que alguém com a racionalidade tão debilitada, possa equacionar. Consigo conter as lágrimas mas o ranho fluí-me de uma narina sem qualquer controlo e eu com um valente fungo tento conter a torrente. Não sei se acabei por ser bem sucedido mas vejo tudo de maneiras turvas, presumo que as lágrimas tenham conquistado o seu terreno. Não sou capaz de levantar os olhos e prescrutar se os outros me vêem ou não; se falam não os oiço, pois tenho um imenso ruído metido pelos ouvidos a dentro.
Já não como, mas, parece que nem preciso. Não sinto qualquer fome e mesmo que tente engolir qualquer coisa à força, o meu corpo rapidamente rejeita o substrato. Vou perdendo aquilo que me torna humano e vou ficando um sucedâneo de humanidade, vou-me tornando um desassossegado-major, um naufrago. Daqui a pouco saio de onde estou e deito-me na cama para mais uma tarde, uma noite, uma madrugada, de completa negritude. Talvez saia um pouco e vá à cinemateca, para poder descansado, verter lágrimas no banco de trás…
Falhei… Perdi e já não vai haver nada daquilo que imaginava, que desejava por entre as noites brancas em que te sentia ao meu lado. Cheguei a sentir-te mesmo ao meu lado, ali, estóica e firme como só um sentimento muito forte pode permitir. Estraguei sendo eu… mas não podia ser de outra maneira, era impossível e no final, talvez por culpa minha, assumo, aconteceu exactamente o que eu previra.
Resta-me esperar pela sensação de alívio e quem sabe, com um pouco de sorte à mistura, volte, se é que alguma vez aconteceu, a sentir paz.

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