quarta-feira, maio 20

gestos.

há uma coisa curiosa que se encontra, grosso modo, nas pessoas que bebem café com açúcar. Nem sei se vale a pena escrever sobre ele, ocupar o vosso tempo, excelsos e augustos e áureos amigos, que eu já não vejo há tanto tempo, olá olá adeus, que me vou embora, para a costa do marfim. De qualquer forma, no bebedor de café )referência literária agora( suuuussstância, aliás, que o próprio Honoré de Balzac abordou como sendo um dos recrimináveis excitantes modernos, há um hábito curioso que, parece-me a mim, simboliza, exemplifica e é uma metáfora de uma data de coisas. Ou não. O bebedor de café ou tira o café por ele(A) próprio(A - só por causa das merdas da emancipação feminina e dos direitos e esquerdos da mulheres e o caralho é que este á em caps lock está aqui) ou então pede um café à pessoa do outro lado. Recebe, sente o aroma, bota-lhe açúcar, mexe e, eis aqui o objecto de fala, ou de escrita, desta treta toda, meus amigos, ele, ou ela, retira a colher, ou a palhinha de plástico, e sorve a colher. Isto é delicioso. O bebedor de café, após ter a certeza que o seu café incorporou bem o açúcarzinho que lá botou dentro - conforme o seu gosto glicodoce e/ou os problemas figadais ou diabéticos - retira o instrumento que usou para tal fim, e lambe-o. Meus amigos, ele, ou ela, laaaaaaaaaambe voluptuosamente a colher. Mas o que significa isto? Não faço a mínima ideia. Mas há como que esta antecipação do curto prazer que se vai ter com o líquido agora defronte de nós. Quente, cheiroso, upa, lambemos a colher, ah, que bem que isto me vai saber. Imagino a frustração delapidante de quem, após a lambidela proverbial, lhe fosse retirado o café. Puta que pariu. Mas a lambidela meus amigos, a lambidela na colher, o que significa isto no ser humano? Imaginemos, assim só pela piada da cena e porque tenho interesse em parecer bués interessante e que medito muito nas coisas e tenho muita piada, ah-ah, imaginemos um homem, há uns milhares de anos, antes de comer o costeletão de mastodonte (algo parecido com o que hoje em dia se pode degustar no Fuso, de Arruda dos Vinhos, salvé a tal sítio pela sua existência no panorama gastronómico-pantagruélico-orgiástico Ibérico) lamber-lhe primeiro uma partezinha do osso que estava de fora da bruta carne, pingando de líquidos sanguíneos quentes: ui baldur, que bem que isto te vai saber meu amigo. - Num outro apontamento, quero deixar aqui bem claro que não acredito nesta merda da gripe suína.

3 comentários:

Homem da Fruta disse...

Meu caro amigo rameloso, venho responder-te a este mui curioso post.

Em primeiro lugar, aproveito para afirmar a minha convicção de que quem põe café no açúcar (sim, é disso que se trata, aquela quantidade de açúcar é exagerada à proporção de bebida servida nas tão típicas bicas portuguesas) é paneleiro ou quer disfarçar a sua adição ao café ou ao açúcar, de forma a não ser tão recriminado pela sua consciência/moral/super-ego. É uma das duas adições legalmente e culturalmente não condenadas pela opinião pública, pois quase toda a gente anda a café e tabaco.

A razão para a lambidela de colher é um assunto por explorar. Mas posso dar duas possíveis explicações, uma pseudo-freudiana e outra prática. Vamos à prática, que é a menos hilária. Tenho para mim que a lambidela é o correspondente à degustação do vinho. Provas um pouco, sem o sorveres selvaticamente, para avaliar um conjunto de parâmetros que o classificam de várias formas. Ou é uma pomada, ou +e bom para peixes, ou é bom para impressionar alguém leigo, etc. No entanto, no vinho tens a vantagem de, após provares, se não gostares, escolhes outro e não necessitas de levar a garrafa. No café, tens de o beber todo, porque é cafeína na mesma e tens de acordar para fazer os broches administrativos no trabalho com um sorriso e pelo menos um olho aberto. Ou então já sabes bem a quantidade óptima de açúcar a diluir no café para o pôr no ponto. E neste caso ainda és mais paneleiro ou obsessivo do que se pusesses a merda do pacote de açúcar todo.

A explicação pseudo-freudiana vem agora. O lamber da colher serve como um preliminar na relação intensa e transformadora que tens com o café. Se reparares, existe em quase todos os consumidores de café um expirar mais intenso e orgiástico após sorverem o café. O lamber da colher serve como sedução e "humidificação" metafórica para encetares o acto sexual com o café.

E agora para os que conseguiram ler este comentário até ao fim sem vomitar ou fechar simplesmente a janela, recomendo uma tasca na Rua dos Douradores, chamada Adega dos Lombinhos. Vão lá almoçar e digam que vão da parte do Tio Frutinhas, que são escorraçados ao pontapé e apelidados de malucos. Mas vale a pena comer o lombinho na chapa.

Anónimo disse...

conheço a adega. o bitoque é bom. o vinho é barato, e a tasca é (ahem) asseadinha. depois, deves ter reparado, que há lá dois homens, taberneiros. Agora que estou a escrever isto, pergunto-me se aquilo não será uma história de amor, em que o sr.joão e o outro que não me lembra o nome, trocam olhares cúmplices e dão as mãos debaixo do balcão. credo...

Fitter Happier disse...

Em defesa dos que usam colher no café - sim, porque já não se trata de café com açúcar ou amargo, mas sim do pequeno ritual de utilizar a colher - devo acrescentar, que o melhor de beber o café é aquela camada de espuma que caracteriza os cafés de máquina expresso...Isso sim é maravilhoso no café e vale a pena lamber a colher por isso, contando que seja uma colher e não aqueles palitos de plástico. E a colher...mexer a colher é como quem prospera elegantemente aquele momento que em tempos nos deu aceitação social e que hoje não passa de mais um estupefaciente que metemos ao bucho.