sábado, junho 26

Da minha janela.

Da minha janela, vejo o meu vizinho, sentado no quintal, em cima de uma espécie de passeio que ladeia a relva bem tratada. Fuma um cigarro e dentro da sua ridícula t-shirt cor-de-rosa, espera que a mulher chegue. É bem apessoado, nota-se que foi mimado mas agora, parece-me algo impaciente e pensativo. Todos os sábados ela sai, a seguir ao almoço. Noto-lhes a despedida pesarosa, como se fossem separar por meses, anos, ideologias, mas, ela volta de noite, 21h, 22h, 00h, 3h... Acaba sempre por chegar e eu, cá de cima costumo contemplar o seu traseiro voluptuoso e claro, as raízes capilares que espreitam do centro da sua guedelha loira.
Lá continua ele, com os seus jeans gastos mas que parecem novos, a deixar queimar o cigarro entre dedos enquanto cabisbaixo fixa a relva que a esta hora é verde-escura. Passa o autocarro da fertagus e a minha janela trepida. Em que pensará? Porque está ansioso? Sentirá uma ligeira frustração por ter de partilhar a casa com os pais ou sogros, pois não sei bem o que lhe são? Tem medo que não volte? Teme que tudo o que fez, tudo o que cedeu, que foi praticamente nada, seja em vão?
O céu que nos alberga está estático, parece uma pintura impressionista. Sinto que estou aqui num momento sem tempo. Nada se move, os gestos que se fazem não contam para nada, ela não vai regressar porque nada avança neste período, nada se altera, nenhuma circunstância muda, não há notícias para o telejornal, o cristiano ronaldo não se mexeu, não deu um erro ortográfico nem soltou um flato. Nada... Os ponteiros do relógio avançam o sol mexe-se mas, há bruxos por aqui.
Agora está em pé e caminha um pouco, ciranda dentro de dois metros quadrados e nada mais se mexe, nem os ramos das árvores abanam; os carros passam, mas são de enfeite, tudo artifícios para pensarmos que as coisas continuam, mas estamos parados, nada de real se altera. Isso deve explicar porque ela ainda não regressou para ti e porque raio me atiçam e depois ignoram. Devem crer que eu descubro o caminho.
Perdeu a paciência, atirou o enésimo cigarro para a estrada que passa em frente à casa e com uma descontida fúria, tira o carro do quintal e segue para Este.

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