sexta-feira, junho 25

Todos somos potenciais ditadores

Inicialmente tentava passar despercebido, ainda assim, sentia-me agoniado por não poder dizer aquelas coisas que eu julgava importantes e geniais - era tudo uma merda. Tretas de suburbano encharcado por uma falsa moralidade que ingenuamente incorporou. Não conhecia nada, mas, como ficava acordado durante a noite, quietinho sob os lençóis, cheio de medo do dia de amanhã e sem poder ficar a ver TV porque a mãe não deixava, tinha muitas ideias que gemiam com a vontade orgástica de serem ouvidas. Felizmente, era cobarde e ficava calado, diastema escondido, olhos apagados.
Depois, consegui um certo conforto, provido, provavelmente, por uma barba e por poder ficar na sala até tarde, o que deu todo um novo sentido à minha vida e ao meu onanismo. Como já não necessitava de estar constantemente preocupado em sobreviver de uma forma digna, como já não era uma espécie de presidiário letrado e etiquetado como meretriz, queria mostrar-me, falar, expor, exibir o jargão específico do diletante no cio, AUUUUUUUUUUUU. Falava com este, com aquele, contigo, comigo; discutia, ia para chats, fóruns e era pedante ao máximo; humilhava era humilhado, uma guerra constante. Encontrava-me com tipas para poder dar uso ao verbo, uso a uma atitude cheia de palavreado e pouco olhar. Era eu, aquele tipo, calado mas sempre a pensar em falar, no que dizer; por vezes, estava 15 minutos em silêncio, mas era apenas uma moratória, ganhava tempo para aplicar aquela frase petulante, chocante. Descobri palavras, mais tarde, descobri, após uma ou outra vergonha, como pronunciá-las. Toda uma relação promiscua, entre mim e o diabo, digo, diálogo. No trabalho, falava, com a família, falava, com amigos, com estranhos, professores, estudantes universitários, pessoal do tele-marketing, religiosos, lojistas, engates, pseudo engates, gajas feias e gordas que conseguem ser profundas e começar a falar de sexo quando sentem que nos estão a perder para um filme, uma série, pornografia. Falava com tudo e todos e até tentei declamar poesia para poder dar mais uma foda na Nádia que tinha namorado "-Quero que me fodas, quero que me rebentes o cu todo!"
Agora... agora já não tenho paciência para falar, evito os contactos, calo-me perante a sombra da altercação, por mais modesta que seja. O idiota já não me apoquenta e não me incomoda que a minha ausência, a minha abstinência o faça sentir-se possuidor de uma qualquer razão. De que lhe serve a razão? Se ele a expuser, a mesma não trará qualquer sentido ao receptor. Já não tenho paciência para mostrar a minha razão,a minha cândida iluminação; para demonstrações concisas que arrebatam uma audiência mesquinha, tacanha. Discordam comigo e dizem bestialidades? Não me dou ao trabalho, mas, secretamente, desejo aparecer-lhes à socapa, numa noite destas, e cortar-lhes a garganta, eliminar o pungente vírus da estupidez. Só isso, sorrateiramente, matar e poupar-me a argumentos.
Pois é ditadores...
Por agora, fico-me por aqui, sentindo-me um grande gânglio linfático depois de uma infecção qualquer. Não sai e nada e pior, não há vontade de tentar que saia, pois vai arder, vai magoar. Tenho de fazer muita força para falar, para ouvir. Cada vez mais escuto apenas zumbidos quando os outros falam e quando começo a falar, tomo nota mental de quão irritante eu sou, acabo a frase e digo para mim mesmo "foda-se, não vale mesmo a pena, perdi..."

1 comentário:

Anónimo disse...

nada, os teus textos são daqueles que às vezes a pessoa diz assim "é isso mesmo"