domingo, novembro 1

15 dias

Uma vez estive encontradamente apaixonado. Não havia momento complicado que após um breve fechar de olhos, não se tornasse num sorriso. Não havia um daqueles meus crónicos ataques de melancolia que não terminasse com uma lágrima de alegria. Todo o mal era substituído pelo anúncio do meu próprio regresso, por a cada minuto que passava, bom ou mau, péssimo ou horrível, estar cada vez mais para breve o nosso reencontro. A chuva caia, molhava-me, mas era tudo suave, era veludo existencial que apregoava ao meu ouvido, que ria baixinho e soltava murmúrios cheios de um calor que apesar dos quilómetros, não se dissipava nem amainava para uma insípida tepidez. Estava sempre ali, a meu lado, estava sempre por perto, com palavras simples, frases curtas que pouco continham para lá da certeza do sentimento que eu lhe causava. Mas não me conseguia lembrar do seu rosto e isso por vezes inquietava-me, durante um par de minutos, intrigava-me como poderia sentir aquilo tudo, como ela poderia ser a minha panaceia, a minha dopamina, serotonina, acetilcolina, se eu nem conseguia recordar os traços de sua face, a cor exacta do seu cabelo, o formato do seu corpo que por uma vez havia apaixonadamente possuído.
Volto passados quinze dias e subo as escadas para o seu apartamento medíocre mas bem localizado, lá em cima, a porta destranca-se e abre-se apenas um pouco, ela não sai para me ver a subir as escadas, apenas uma faixa de luz amarela se projecta para a escadaria gasta de tantas vezes ter sido pisada. Estou muito nervoso e sei que me espera algo de estranho. Entro e noto-lhe um leve sorriso nas linhas da face, um certo constrangimento corporal que a faz mover-se sem sentido de um lado para o outro, perguntando insistentemente, sem querer de facto perguntar, se eu queria alguma coisa. Tínhamos estado juntos apenas uma vez, de madrugada, ali naquele quarto que também fazia as vezes de casa, agora, apesar de todas as juras, de todas as dores que clamavam resultar da ausência de nós, agíamos de forma pesada, como se fossemos um motor sem óleo, sem qualquer lubrificante que harmonizasse, silenciasse os movimentos que deveriam fluir de forma melíflua. Levo uma mão à dela para a deixar saber que as coisas não haviam mudado, acalma-se um pouco e puxa-me obsessivamente a camisa para baixo, inquieta, nervosa, sem me olhar nos olhos. O sexo normaliza tudo, a intimidade deita abaixo barreiras, aforismos, fantasias, inspiração. Um fim-de-semana comunhado e sei que me enganei, sei que não te amo. Só me apetece ir para casa e ficar só.
Será possível amar, presencialmente, a mesma pessoa, mais que três horas por semana?
Amei durante quinze dias inteiros.

8 comentários:

Anónimo disse...

Não.

Muito bem.

Anónimo disse...

...nem devias utilizar essa palavra, fica-te mal... pessoas como tu não amam, usam a novidade para se sentirem vivas e dps reciclam... a sério, não uses essa palavra, em ti dá arrepios...

Anónimo disse...

Elah! será o segundo anónimo a rapariga que o Nada deixou na cama?

Anónimo disse...

Seria mais interessante se fosse. Lamento informar que não.

rameladoiro disse...

wow "lamento informar que não"? então mas QUERERIAS ser a rapariga que o Nada deixou na cama?

Fitter Happier disse...

ehehehe O ressabiamento é uma coisa lixada pá..

Anónimo disse...

Bem...vejo que estou, como sempre, destinada à incompreensibilidade. Creio que não valerá a pena prosseguir com o diálogo. Quando as interacções começam com mal-entendidos, acabam invariavelmente com uma espécie de "diálogo" (se isso é possível) entre autistas severos. Tenham o resto de uma boa noite.

rameladoiro disse...

lol. autistas severos. é o nome todo completo ou só o apelido?