sexta-feira, novembro 20

Nada

A amálgama de coisas baratas reverbera-me. Escuto os distantes sons da cidade que me envolve, me agrilhoa, me liberta, sons que me acodem com a sua metálica melodia de esperança.

No outro dia meti conversa com uma dentista - já no escuro e bastante suado – ela, no meio de alongamentos, contou-me toda a sua vida ao mesmo tempo que me intimidava com uma demasiada aproximação física e provincianismos excessivos atrozmente marcados por uma peculiar plasticidade facial.

Não consigo entender e às vezes, por mais idiota que pareça, perco tempo a pensar nisto: como consegue quase toda a gente dizer tchau tchau e bjinhus no final de um telefonema? Pode até ser o tipo mais azeiteiro de todos, ressacado, embriagado, que a expressão não é esquecida; pode até ser o tipo com a voz mais grossa, de uma masculinidade bizarra e a cheirar a testosterona e a urina concentrada, que a expressão é usada como algo primário, fundamental, como aqueles urros primatas que permitem o natural avançar do seu frívolo dia-a-dia.

Porque motivo a única verdadeira forma de perdão entre desconhecidos é a condescendência?

Parece o ruído do mar… o eixo norte-sul, a segunda circular. O Atlântico… rugidos de motores e ar, ondas e oscilações permanentes que me chegam ao sensor e me remetem para dias mais húmidos e quentes, penumbras de pés gelados e mergulhos encapuçados pelo sinistro breu que não me inibe. Vento a agitar bandeiras e cordéis, a remexer a areia demasiado fina, demasiado meteorizada, demasiado gasta por calosidades e desperdícios de juventude que se esvai de forma vertiginosa. Que sangue mais tóxico o que corre nestas melosamente ruidosas artérias, vrrrrrrrrmmm, vrrrrrrrrrmmm, constante e ao mesmo tempo compassado, sincopado e aliterado…

De noite faz algum frio e de um aglomerado de gente à entrada/saída da faculdade de psicologia, notam-se clarões sucessivos que acompanham os risos exagerados pela volatilidade social de alguns elementos carregados de carências epidermais. A máquina fotográfica é, como o cigarro, um grande ansiolítico social. Podemos não nos divertir, nem querer ali estar, mas temos uma forma de colorir o tédio e de parecer bem; procura-se um momento qualquer sem significado nenhum, registamo-lo e antes que nos apercebamos, já estamos a bater uma fora de casa.

Podemos, como faz a maioria das pessoas, viajar de encontro ao aborrecimento, mas vá, vamos aos landmarks de uma cidade horrível cheia de gente fútil e antipática e fica tudo registado para mostrarmos às pessoas. «ai ai ai, preciso de uma prova de que aqui estive» E assim se combate a sensação de inutilidade de uma viagem, assim se combate o vazio, a não permanência de algo de que as pessoas tanto precisam para encontrar alívio para o arrependimento de não terem comprado um ar condicionado ou um carro novo.

O meu sono irrita-me com os seus sádicos caprichos e um respirar masculino que não o meu, faz-me perceber quão feio é o mundo. O desespero é tentador e está acessível a qualquer parte do corpo, torna-se difícil afastá-lo na totalidade. Fico tenebrosamente feliz por haver quem crie músicas tristes, mesmo muito tristes, morbidamente lentificadas e indicadoras de grande (des)arranjo interno; se não houvesse quem as fizesse, sentir-me-ia completamente mudo e o meu coração nunca escutaria a arrepiante vibração da melancolia percutida.

Agora é dia e as nuvens lácteas estão completamente imóveis, não fosse o ligeiro abanar das grandes coníferas, eu pensaria que por aqui teria de ficar eternamente.

1 comentário:

VQR disse...

Adorei uma parte desta postagem.
Não te vou dizer qual é, até porque tu não queres saber.

xxx