terça-feira, abril 29

bolos regionais

uma pessoa, no correr dos dias, ás vezes pergunta-se: será que existe uma verdade universal, uma maneira necessária de fazer correr as coisas em que aquilo está certo mas isto está errado? toda a gente se pergunta sobre isto, mas a verdade é que é impossível convidar as pessoas para jantar num sábado à noite se se passar a vida a pensar neste género de coisa. Claro que ninguém já tem verdadeiramente paciência para discutir isto - em boa parte porque a vida não tem muito que ver com um romance e é impossível ter um diálogo daqueles que se lê nos livros. Ninguém nos levaria a sério. Talvez o Saramago.Então acho que a saída tem a ver com conversas desembargadoras de alfândega: futebol, o tempo, receitas de beringelas, porque acabam por ser essas conversas que nos aproximam, que dão aquela característica quentinha e confortável ás conversas. Isto tudo porque ontem estava a ouvir um casal à socapa. Ele era daqui de poortugal, ela devia de ser de um país qualquer tramado, parecia muito mais inteligente que ele. Dizia ele, sem nada que o adivinhasse "so, do you think about death?" ela, que deglutia uma dentadona de uma torrada e forçava aquilo para baixo com chá, teve de usar daquela característica muito feminil de quem sabe que o outro está caidinho por ela: ficou calada, caladíssima. de certeza que o gajo pensou "merda, para a acama esta já não vai". O orgulho intelectual deve veio à tona do azeite e o tipo calado ficou também. Entretanto retomaram a conversa. Começaram a falar sobre o chocolate do leite, ele fez uma piada, e eu perdi o interesse para ficar a olhar para três placas de plástico que diziam bolos regionais. Sem qualquer bolo por detrás. Bolos para amigos imaginários. Será que importa assim tanto aprofundar as conversas. Quer dizer, será que funciona. Quando um gajo se revela a outro, será que afinal o outro não estará a pensar antes "mas que maneira curiosa deste meu amigo abrir e fechar a boca, e que dentes benfeitinhos", apanhando só as linhas essenciais, que depois aproveita para também se revelar enquanto que o outro, por sua vez, pensa que é uma estupidez os dois estarem para ali a querer enganar-se mutuamente quando o que querem dizer é "que bom eu poder reduzir esta distância entre ti e mim, anda masé daí beber um imperial". Talvez seja por isso que as bebedeiras são importantes e catárticas; cada palavra adquire o significado essencial, cada frase tem um poder fulgurante. Afinal somos tão parecidos, tu e eu, anda cá, da.me um abraço, sempre gostei de ti, mas não to disse meu amigo. porra, não me estou a sentir muito bem

Sem comentários: