sexta-feira, abril 25

Sobre nada

Hoje quando acordei sabia que iria a mais uma entrevista de emprego estéril e inconsequente. Sentei-me na minha cama e fiz um exercício: encontrar a lembrança de quando tinha tido um dia em que realmente senti. Aparentemente, não encontrei nada relevante no local para onde vou quando, pedantemente, sinto que o que me rodeia são apenas bocas, lábios, músculos e mandíbulas disformes que se movem, que se esforçam, ao mesmo tempo que soltam e desenham matrizes indecifráveis para futuras réplicas daqueles encontros fugazes e incómodos, que se pudesse evitava. Com a confiança de momentos guardados e venerados, encontrei 3 fragmentos parados no tempo, passados num daqueles sábados, que empurraram uma sexta-feira traída por uma quinta e por aí em diante, como se os dias se encostassem, encarreirados em filas indianas invisíveis e inaudíveis, todos conscientes do curto ciclo de vida, da perfídia do seu predecessor, do gesto sorrateiro e cobarde sob a concordância voraz e cúmplice das noites, da glacial e imparável punhalada, da doce incisão fatal mascarada de sorriso estilizado. E do badalar final do pêndulo frio de um relógio pintado com o vermelho de mais um dia condenado. O dia morreu, é já meia-noite. Falhei. Ao mesmo tempo, cumpri o meu destino.

Fecho os olhos. Estática. Milhares de pontos no ecrã convexo de uma Grundig antiga cinzenta. O som continua disperso pela sala, ecoando por entre o frio que a noite trouxe a toda a casa, indiferente à atenção que já não lhe dou. As imagens estatelam-se ao embater contra as pálpebras que me protegem os sonhos, esses pequenos contos por onde agora a minha alma se entretém enquanto o corpo, quieto, vulnerável, espera docilmente que o raiar do próximo dia me desperte. “Adormeci de novo na sala”, é a desajeitada consciência que na sua forma mais aflita me invade o conto mesmo a segundos do fim da queda daquele prédio de onde estou a cair há tanto tempo. Acordei.

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