quarta-feira, junho 11

Vulgar

A partir de uma certa idade, só conhecemos pessoas completamente fodidas por dentro. Desilusões amorosas, gente que morreu, úlceras, rejeições em cadeia, frustrações, alternativas forçadas, equívocos sexuais, refugos tolerados e até consumidos. Eu sou uma delas. Inevitavelmente, somos comparados, temidos, medidos, alterados; tudo porque já houve um que fez algo bom que nós também devemos ser hábeis para fazer, ou algo mau que nós não podemos dar a entender, seja lá de que maneira for, que possamos vir a fazer.
Cheira bem aqui dentro, provavelmente devido ao lento queimar do incenso, ou quem sabe, por causa da minha íntima proximidade de uma estranha, que além de me atiçar a curiosidade e a libido, impede que solte flatos. Está calor e sinto-me imediatamente constrangido devido ao facto de saber que suo com muita facilidade, talvez seja esse pensamento que me faz efectivamente suar. Toca uma música agradável e eu mostro-lhe umas porcarias que escrevi no outro dia, numa das muitas horas mortas do trabalho em que aproveito para produzir debilidades várias que assim impedem a infertilidade total. Ela comove-se, repete por várias vezes o quão bom aquilo está, quanto se identifica e não sei quê. Provavelmente o texto de umas trinta e tal linhas, recorda-lhe um tipo qualquer que a deixou, cujo sentimento que outrora florescia unilateralmente, ainda ali está presente e me separa dela de forma muito subtil.
Passam-se semanas e muitas foram as vezes que pensei deixar-te, hoje, vim decidido a acabar com tudo, com este rol de mentiras, com o atrevimento que tenho ao decidir prolongar algo condenado ao insucesso, apenas e só, por medo de qualquer coisa, não creio que seja medo de ficar só ou de não foder, não, é medo por ti, medo pela tua reacção, pelas tretas que me irás atirar à cara, pelas lágrimas que terei de te ver verter, pelo ridículo fungar que terei de escutar, foda-se, por tudo isso me fazer sentir mal para caralho. Mas hoje será diferente, hoje tudo findará, custe o custar, já antes o fiz, já mo fizeram antes, sei que suportarei e a vida, aziaga e medíocre, continuará como nunca antes continuou, mas igual àquele sempre finito que no fundo, é tão a nossa existência.
Chego ao pé de ti, que vestes um vestido castanho e tens o cabelo solto, com uma franja que quase te tapa a vista; soltas um dos teus sorrisos que revelam uma depressão mal resolvida e toda uma dependência pelo meu ser, tocas-me de forma leve e a tua pele é mesmo macia. Estás bonita demais para eu te deixar, terá de ficar para outro dia.