terça-feira, dezembro 30

O Natal é lindo

Nas ruas, os indigentes em manada, saem do ócio e, munidos de cadernos que têm uma espécie de tísica de papelaria, dão o seu melhor no que às palavras melosas concerne, esmeram-se na arte de persuadir com mentiras e com o facto das pessoas nunca saberem se eles estão ou não, artilhados com uma seringa com o HIV ou com um tétano tuberculoso. É a única altura do ano em que o pedir vale mais a pena que o roubar, há que aproveitar e o indigente experiente sabe-o bem, tem a perfeita noção que o Natal é o seu solstício de Verão. Incrível reparar num deles quando ainda há luz solar; são magníficos na sua agilidade, soturnos mesmo com o sol a bater nas suas anacrónicas vestes, esplêndidos no cruzar as movimentadas ruas e a abalroar pessoas com a sua muito pesada presença, claro que têm os dentes danificados por hábitos auto-destrutivos e pela merda dos enlatados, um olhar inexpressivo e vazio e a cara tão esburacada como uma estrada em Beirute, mas lavaram o cabelo e com o pente castanho que desde a década de oitenta guardam no bolso traseiro das calças, puxaram aquela cabeleira cinzenta, (não tem nada a ver com grisalho, cinza, como se fosse o pelo de um rato) espessa, oleosa e com caspa de tamanho mutante, para trás – porque raio todos os indigentes quando se penteiam usam o mesmo penteado? Os temas do peditório dividem-se em três grandes grupos: Sida, toxicodependência e criancinhas, ou seja, a tríade da desgraça. Os pedintes habituais, aqueles mal-educados e mais passivos, com um poiso fixo junto ao metro ou numa esquina movimentada, desaparecem, como que os pedintes sazonais os exterminassem, só que tal não acontece, visto em Janeiro lá voltarem eles com os seus membros mutilados, seus carcinomas e necessidades de consumista dignidade.
Dou uma moeda a um depois de ele me prometer que aquilo seria para a droga, tabaco ou uma quase impossível bebedeira, nunca para uma instituição.

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