segunda-feira, agosto 25

Rendez-Vous

«...que interessa aquilo que temos para dizer, se o mundo é surdo...» continuava eu, enfadado, num desenfreado corrupio de lugares-comuns. Era noite e estava uma agradável aragem que disseminava o pestilento aroma da urbe, contudo, insuficiente para despentear cabelos e fazer com que saias de finos tecidos subissem deslizantemente por pernas perfeitamente depiladas. Pessoas passavam em rebanho, como se caminhassem calmamente, sem qualquer tipo de rumo definido, o que era uma ilusão, uma distorção causada pelos modernismos que adulteram a percepção que seres enfastidiados e improdutivos têm do rebanho que permite tudo, permite o crime, o amor, a fertilidade, a luta, as letras realmente úteis e não banalidades estilizadas e presunçosas.
Continuava a debitar palavras que sofrivelmente formavam débeis frases que quase me embaraçavam mesmo eu não me importado com nada; sentia-me tão incapaz, tão aborrecido. Tentava, por pura vaidade, redimir-me e mostrar a minha fibra diletante, chamava a mim aquela tão habitual e normativa retórica aparentemente profunda, mas, ela não surgia, continuava completamente encarcerada no fundo do meu estômago, ou talvez, no cólon, não sei...
... então, ali estava eu, o verdadeiro eu, sem qualquer foco de inspiração pedante para disfarçar a mediocridade. Olho para a lua, para o enorme quarto minguante que ali surge, no cimo de edifícios que circundam a vasta praça com um monumento ao meio; olho e demoro-me o mais que posso, quero ficar por lá, não ter de voltar a encarar a minha mediocridade; cai-me uma lágrima, sim, penso que sim...
- Estás a sentir-te bem?
- Não, talvez não...
- Queres ir embora?
- Sim, vou andando.
- Gostei muito de ti - diz-me sorrindo - és muito interessante, espero voltar a ver-te, um dia, uma noite.
- Verás.
- Até breve, estranho...

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