quinta-feira, maio 1

Getting away with murder

O dia adormeceu despercebido entre a azáfama de quem, vencido pelo cansaço, deseja avidamente chegar a casa, e entre as passadas de esperança dos que caminham prosperamente ao encontro do ócio pós-laboral. À medida que a noite avança, as conversas e os olhares galgam ao ritmo da batuta que as cervejas, a pouco e pouco vão impondo para justificar as inconsistências da postura. Da mesma forma, também os movimentos soltos e desenfreados fluem naquelas claras tentativas de acasalamento a que hoje se chama dança, orquestrados pela música muito alta que os mais entusiasmados cantam de cor. Quando a partitura se esgota, tanto o álcool como a música abandonam o ambão, o dia prepara-se para acordar e o álibi primário que a dança ofuscava, desvenda-se agora em total nudez num último encore interpretado fora de tom e marcado pelo compasso monótono que os corpos forçam nas molas do colchão.

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Há que arrumar a casa e levar o lixo à rua. É necessário esconder as provas sob pretextos sociais. “Tinha saudades tuas” diz o olhar “deixa-me adormecer contigo hoje”. Quê?! Queres dormir cá? Agora tentas perpetuar o espectáculo para além do hoje? Nem dá, o verdadeiro actor só o é a tempo certo. Não se mascara a inércia emocional interpretando a tempo inteiro. A única saída para limpar os vestígios a que o vazio agora impõe é permanecer em palco: “É melhor não, tenho trabalho para fazer cedo de manhã, sei que se ficares vou preferir estar contigo durante o dia. Vá não te chateies, acompanho-te ao táxi se quiseres. Manda-me um toque quando chegares a casa para não me preocupar”.

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