sexta-feira, maio 9

Vazio com zê

Passam carros no crepúsculo, com médios acesos que parecem chamas, centenas de micro fachos que se conjugam para formar uma ofuscante labareda. Apetece-me destruir tudo e quero que prestem atenção ao meu umbigo encoberto por pelos. E por mais que oiçamos o canto agridoce da sereia ou da harpia que existe lá onde trabalhamos, estudamos ou estamos internados, nunca nos podemos esquecer daquela pessoa doce e de sorriso fácil mas discreto, com que sonhamos, com que aprendemos a gostar de qualquer coisa supostamente humana. Uma chance para nos apaixonarmos, uma oportunidade para sairmos e percorrermos o longo mas muito acessível caminho da imaginação, da perturbação que nos infantiliza e torna palhaços que morrerão velhos e sem graça. Pensamos sempre que apareces, mas por uma qualquer razão, acabas por ser uma eterna ausência que nos magoa aqui, na alma. Uma noite sem dormir, ou um despertar daqueles cinco minutos em que nos deixamos ir e fabulamos com um amanhã onde nada mais que amargas picadas iremos sentir. A minha mão toca na tua face e tu sussurras qualquer coisa inaudível ao meu ouvido. Percorremos caminhos conspurcados por milhões de pegadas que já se esvairam pela erosão dos sentidos, calmos, amainados pelo conformismo daquilo que sabemos estar algures, provavelmente dentro do nosso vazio. Estás cá dentro, quieta a um canto, calada, não te manifestas, não me provas que aqui estás, mas... sem ti, o que será de mim?

Sem comentários: