domingo, setembro 21

Delírio

Fixo temerosamente uma luz muito azul que quando por mim olhada com atenção e vigilância aprumada, me parece completamente estática, mas se o sono me começa a transportar muito vagarosamente para caminhos mais oníricos, ela ganha uma espécie de movimento, adquire uma estranha capacidade sedução que me assusta e imobiliza dentro da obnubilação que me tranca na sua maldosa aparição. Quero parar de ver aquele azul que agora já não está no fundo do quarto mais sim mesmo junto ao meu olho, azul pálido, trémulo mas seguro de si próprio... Sou tão velho, tão velho... careca e cheio de ardil, magro e arrogante, ando à roda sob mim próprio, ando à roda na atmosfera, não há chão, rodopio, rodopio, tenho náuseas e quase que perco os sentidos, aterro, fico em pé e tenho dificuldades em equilibrar-me, espero, espero, acaba por passar aquela vertigem e já não há luz nenhuma. Não caí e sei que sou melhor que os outros velhos, sei que os vencerei. Vem um grito lá de fora, sob forma de uma negra químera, entra pela janela aberta e acerta-me nos ouvidos fazendo com que os mesmos ressoem um esgar de aflição. Descubro algo genial enquanto estou deitado na cama e os meus ouvidos latejam e sentem minúsculas variações de pressão na atmosfera. Tenho noção de uma qualquer genialidade, de um qualquer aforismo que me aportou durante a alucinação; sei que tenho passá-lo para o papel, aprisioná-lo para a eternidade através de letras e palavras elaboradas que iluminarão verdadeiras torrentes de seres humanos; sei que figurará no início e no final do meu livro, mas, não faço ideia do que seja, desapareceu por completo da minha mente quando a mesma resolveu despertar e voltar a esta normalidade, a esta lucidez que fica a milhas da profundidade daquele oráculo que em mim se revelou; seria a luz, aquela luz para onde agora volto a olhar, luz que tento amainar tapando-a com uma borracha translúcida que a conduz para um plástico geralmente incolor que agora parece ter um coração azul? Tudo acabou e eu fui ver um episódio da Liga de Cavalheiros. AHHHH, UM GRITO IMENSO E VIOLENTO QUE ASSOMA JUNTO À MINHA FACE, PROJECTA-A CONTRA A PAREDE E MESMO ANTES DE PERECER CONSIGO VER QUE O GRITO, O SOPRO, TEM CARA....

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