terça-feira, setembro 23

Le Temps Detruit Tous (II)

Tudo tem estilo. O tecto falso está pintado a preto, com um complexo sistema de iluminação. As paredes são cinzentas, o balcão metálico. A casa de banho tem um sistema desafiante de entrada. Peças de design que encontram uma nova vida penduradas nas paredes. As mesas e as cadeiras, os talheres e as chávenas de café são delicadas e estilizadas. As pessoas que frequentam o café tem todas um sentido estético apurado. As roupas são bonitas, nota-se uma preocupação com a harmonia, mesmo que esta desafine com as caras decadentes. Nas más colunas de som passa o disco “La Revancha del Tango” dos Gotam Project. Toda a gente tem Mac's brancos ou cinzentos, todos mastigam o código binário e em raros momentos exibem sorrisos néscios para os monitores. As raras conversas parecem-me cheias de conteúdo, mas muito vazias em sentido. Curiosamente, também cirandam sobre o tema do design: “...o artista X, um grande amigo meu, foi à minha mostra e mostrou-se interessadissimo no projecto... ou então numa espécie de paradigma de regresso às origens, de encontro ao verdadeiro eu: ...Estou em trânsito para Barcelona. Pá, Preciso de tirar esta Lisboa decadente dos poros. Acabei de vir da Índia.... As vidas são tão perfeitas e temos uma sensação falsa de intimidade. Enquanto folheio o jornal, o empregado Gay disponibiliza-se para atender o meu pedido. Recusando-me a ver a lista, distraidamente, peço uma sopa e uma água. A sopa é fria, gelada: um gaspacho de autor. Tento ingerir aquela mistela vermelha, mas parece-me que o meu esófogo se recusa a digerir esta merda de autor. Resta a água. Essa nunca nos trás surpresas....

Ir, hoje em dia, a um destes cafés na baixa é, mais ou menos, como encontrar uma ex-namorada e passar algum tempo com ela, por algum motivo que nos ultrapassa. Tentamos transmitir as nossas vidas cheios de estilo e de novidades, mas que por algum motivo falta conteúdo. E, no meia dessa frustração, acabamos por dourar as coisas como bonitas, como assépticas, mas no fundo, somos como betão cinzento escondido pelo tecto falso. Pequenas fortalezas emocionais que tapam todas as suas brechas e que se escoram no trivial e nas perguntas irritantes pelos amigos em comum ou pelas descrições das viagens para todos os lugares fantásticos que visitamos. Uma falsa sensação de uma intimidade, a falha em esconder a animosidade que ainda tentamos sentir. Esta mensagem pode ser sentida, mas aquela ponte que permitia o entendimento ruiu-se, exactamente no momento em que as nossas linhas imaginárias começaram a divergir. E, o resultado, é uma mistela que devido a algum saudosismo insistimos em tentar digerir, mas que não engana o estômago por muito tempo.

2 comentários:

rameladoiro disse...

tenho a dizer o seguinte: ao menos n'a Brasileira, do Chiado, situado nas costas do Fernando P. e na mira acusatória do dedo de cobre (acho eu) do António Maria C., não há código binário: há uma mulher muita gorda numa tabacaria exígua; não há tecto estiloso, há um tecto de madeira daqueles antigos mas que agora não me lembra do padrão; não há objectos estilosos nas paredes, mas sim uma espécie de quadros muita estranhos e perturbantes pintados por um mentecapto qualquer que ou servia ou era servido lá; a casa de banho não tem entrada, tem escadas da morte desafiantes e casas de banho que cheiram a mijo que se fartam; pode-se fumar e os empregados tratam-nos mal. A vida é feia, é preciso é a gente ser honesto acerca disso e a seguir matar o cláudio ramos.

rameladoiro disse...

tenho a dizer o seguinte: ao menos n'a Brasileira, do Chiado, situado nas costas do Fernando P. e na mira acusatória do dedo de cobre (acho eu) do António Maria C., não há código binário: há uma mulher muita gorda numa tabacaria exígua; não há tecto estiloso, há um tecto de madeira daqueles antigos mas que agora não me lembra do padrão; não há objectos estilosos nas paredes, mas sim uma espécie de quadros muita estranhos e perturbantes pintados por um mentecapto qualquer que ou servia ou era servido lá; a casa de banho não tem entrada, tem escadas da morte desafiantes e casas de banho que cheiram a mijo que se fartam; pode-se fumar e os empregados tratam-nos mal. A vida é feia, é preciso é a gente ser honesto acerca disso e a seguir matar o cláudio ramos.