quinta-feira, setembro 29

Isto pertence aqui

Coitada da XxX, está tão desesperada para formar uma família que decidiu ser mãe solteira.”
mas que mal tem isso, acho uma decisão muito corajosa...”
Tudo correu bem até aos 3 meses, depois de uma série de incidentes ela abortou”
ui...”
E passado 3 semanas de abortar, começou a ter hemorrogias e descobriu-se que ainda tinha parte do feto ou bébé dentro dela...”
Tenho muita pena, mas quando dizes algo como isso a pessoas como eu, a primeira pergunta que me vem à cabeça é que parte do bebé ficou dentro dela?”
Foda-se as vezes és mesmo nojento...”
Podias dar-me o numero dela?”

...”

quarta-feira, março 19

The Raw Youth

"- Os tempos actuais - recomeçou ele depois de uma pausa de dois minutos e olhando sempre para o vazio -, os tempos actuais são tempos de aurea mediocritas e de indiferença, de paixão pela ignorância, de preguiça, de incapacidade para o trabalho prático e da necessidade de receber tudo já pronto. Ninguém raciocina, será raro alguém elaborar uma ideia pessoal."

In "O Adolescente", Fiódor Dostoiévski (edição portuguesa de 2003, tradução por Nina e Filipe Guerra. Original de 1875).

domingo, julho 14


sexta-feira, julho 5

Gravidezes

Hoje nasceu em mim a convicção de que há mulheres que engravidam só para terem garantido um lugar nos transportes públicos. Só isso. E para serem tratadas com reverência. E para receberem congratulações por terem consumado uma cópula, por vezes até por engano.

E também as há porque não têm outro objectivo na vida além de procriar. Como uma mosca, afectam o ambiente à sua volta, mas o seu propósito é a continuação da espécie. Para estes casos digo: que se fodam o córtex pré-frontal e polegares oponíveis.

quinta-feira, junho 27

Post saudosista

Reli alguns textos deste blog. Confesso que apenas li na integra os mais curtos ou os mais badalados. Li com gosto, com prazer até. Lembrei-me daquilo que fomos, um dia, em conjunto em directo e diferido. Lembrei-me das situações que originaram alguns dos posts. As conversas, as discussões, os monólogos onanistas a que alguém assistia por acaso. As reverberações apáticas, as observações penetrantes, as reminiscências saudosas.

Lembrei-me de quando não havia vacas sagradas, de quando tínhamos uma piada para qualquer ocasião, qualquer fenótipo urbano, qualquer desabilidade ou debilidade, qualquer má sorte na vida ou má vida na sorte. Lembrei-me que VIA as coisas e as pessoas. Os momentos surreais que surgiam espontaneamente transformavam-se em mais um elo na corrente que nos unia. E lembrei-me do tempo em que, se escrevesse uma frase que contivesse “(…) mais um elo na corrente que nos unia”, seria gozado por mim próprio por estar a perder o mísero orgulho literário que sentia ao escrever alguns dos meus textos. Hoje sinto pena de mim não só por ter escrito esta frase, mas principalmente por não a ter apagado e substituído por algo realmente belo e com significado. Não que uma corrente invisível a unir um grupo de tipos com interesses relativamente próximos seja uma ideia feia, apenas é uma ideia tão gasta como um pré-reformado por invalidez.

Senti-me de novo nas horas surreais do Bairro, em que acontecia sempre algo digno de Man Ray ou de Buñuel nas ruas, nas pessoas, em nós. Apesar de as lentes do álcool distorcerem a realidade tornando-a mais real, penso que talvez me sentisse noutra dimensão se me cruzasse com as mesmas pessoas, com as mesmas situações, hoje, a uma hora qualquer, a uma qualquer sobriedade.

O dinheiro corrompe. Muito ou pouco, corrompe. Éramos pobres, muitas vezes a pedinchar algum dinheiro aos pais para sair e beber umas litrosas enquanto dissertávamos sobre o real significado do que fazíamos ali, sem sequer falarmos directamente disso, ou nos claustros da faculdade, ou na pensão, ou num qualquer café ou esplanada, ou numa qualquer caminhada. No entanto, a cada gole, a cada piada, questionávamos o que poderíamos fazer de melhor ou de diferente do que estar ali, juntos e a compartilhar o que nos movia. A resposta a esta questão nunca colocada era sempre a mesma: podíamos estar em qualquer lugar, mas nunca seríamos tão genuínos da nossa miséria como aqui.

Somos diferentes, sempre fomos diferentes. Sempre quisemos ser diferentes, apesar de admirarmos as nossas diferenças. Nunca quisemos ser o outro, mas admirava-mo-nos. Apesar disso, retive um comentário de uma leitora/comentadora de um post do Homem da Fruta, que inicialmente ela pensava ser do Nada. Esta leitora/comentadora escreveu, numa citação livre e de memória da minha parte, que “estão a ficar todos parecidos” (nota: esta leitora/comentadora era parte da horda de seguidoras/conquistas/rejeições do Nada, esse séquito que nos seguia para acompanhar a evolução literária deste que agora é o nosso escritor publicado, e que contribuiu para a visibilidade deste blog, pelo menos num período determinado). Realidade: não éramos parecidos. Realidade: tínhamos muitas parecenças. A genuinidade com que olhávamos e sentíamos o mundo era partilhada. Também o cinismo e o descontentamento mundano nos tornavam parentes próximos no sentir.

Gosto-vos e sinto-vos a falta. Como ser complexo e social, sinto um défice na minha pessoa. Não sou completo sem vocês, e só a vossa memória serve de placebo.

Ao reler o blog, lembrei-me de dois versos meus de um poema sofrível. Dos versos, apenas um é originalmente meu, sendo o primeiro adaptado/roubado do Molero de Dinis Machado. Ao ler o blog senti o seguinte: “Coração: bússola doida/Não há só o norte, há também a vida”. Explicando: não vou explicar pois perde a beleza. Explicando: não há só trabalho, há também o resto. E nesse resto, entram também vocês.

Digam alguma coisa, vá. Não sejamos tímidos nas vossas geografias e partilhe-mo-nos mutuamente. Que se foda o facebook, que se foda o twitter. Falemos todos, novamente, como no passado. Façamos uma última ceia com o nosso messias inexistente ao centro, ou com um jarro cheio ou meio vazio como messias.

No outro dia, bebi uma sangria da ginjinha das gáveas e soube-me a saudade. Soube-me a surrealismo, a bizarria, a melancolia, a desgosto, a sarcasmo, a vida, a amizade.

Aqui segue uma sample de uma conversa, pelo finado Messenger entre dois elementos deste blog, Homem da Fruta e Chigurh, só para ilustrar o que se passava:

Homem da Fruta: já foste sair com a c!@_b&7’?

Chigurh: foda-se não

HdF: era giro

C: era o que me faltava

HdF: perguntares "então, c!@_b’@, gostaste de levar na cona?"

C: ahahaha

C: assim do nada

HdF: e a $0r&7’ responder "sim, ela gostou muito, e é squirter"

C: ahahaha

C: era muito bom

C: podia ser que calasse a conversa do trabalho da $0r&7’

Hdf: "ao inicio sentiu-se envergonhada, porque pensava que o orgasmo era o mesmo que mijo, mas depois eu expliquei-lhe que era uma coisa, que algumas senhoras têm"

C: Ahahahhaha

C: muito bom

C: devias por isso no Blog

HdF: "agora até já se masturba... o inconveniente é que tem de lavar o chão muitas vezes, senão fica peganhento"

C: a $0r&7’ estava lá para gemer

Quatro ou cinco anos depois desta conversa, finalmente está postada no blog. Quatro ou cinco anos depois da personagem ter perdido a virgindade.

Digam coisas, vá.

sexta-feira, março 15

C sharp


Num canto da sua mente surgia-lhe uma música clássica que lhe pareceu ligeiramente familiar. Os seus olhos encontravam-se fixos naquele ponto abstracto da parede, que à força dos movimentos bruscos, embora compassados, se transformava em riscos ilusórios contra o branco. Os sons que ecoavam nas paredes daquele espaço pareciam não importar. Nem tão pouco os corpos que partilhavam aquele espaço.
A sua mente quis concentrar-se em descobrir apenas o nome daquele trecho que reverberava nos seus neurónios e tudo o resto ficou mergulhado em algo aparentado ao som subaquático: abafado, lentificado, difuso. Sentiu algo viscoso de encontro à sua pele, que não identificou. Esta subtil deixa improvisada, fê-lo fincar com mais força os dedos nas ancas do corpo que acidentalmente, visto não ter dado pela troca, sodomizava. Devido ao som dos gemidos abafados pensou que estava a ser bruto e abrandou o ritmo das suas ancas.
Os músculos responderam, os gemidos abrandaram. 
Tinha agora apenas uma semi-erecção. “ Talvez o álcool…”, desculpou-se, fingindo.   Não interessava.
Onde teria ouvido pela última vez esta melodia?

quinta-feira, fevereiro 23

Almoço

Mais frustrante do que almoçar sozinho é almoçar acompanhado por um rego de gorda. Parece que se está a almoçar com uma placa de Rorschach feita de carne, o que faz a mente vaguear por locais escuros e sombrios.

segunda-feira, janeiro 16

O problema das empresas grandes

O problema das empresas grandes é que existe sempre alguém com diarreia explosiva que suja o wc que partilha com o resto da empresa.

quarta-feira, abril 6

Silicone

Silicone. Tubo de plástico com um bico sugestivo, recheado de uma massa viscosa e suave ao toque, a aparentar uma plasticina mole de criança. Utilização universal. Isolamento de superfícies, estético, ou outro. Ao colocar um tubo de silicone na respectiva pistola, sinto sempre um arrepio de excitação. O que sairá daquela ponta fina, em que proporções, conseguirei espalhá-la bem? Será o ideal para uma cozinha ou casa-de-banho? Isolarei as frestas dos azulejos de forma eficiente? Quão isolante é de facto a silicone. Antecipo o cheiro fétido, a cera de ouvido passada de prazo. Cheiro que penetra nas divisões agraciadas durante dias a fio. Antecipo o alisamento da superfície da massa aplicada, preparando jornais e rolos de papel de cozinha para limpar os restos rebeldes que saem da linha normal. Troquei de marca, para uma mais cara 1€ do que a habitual. A habitual saiu com uma limpeza mais enérgica. Preciso de algo que me dure mais do que alguns dias no sítio. Tenho dúvidas se será melhor. A desilusão será maior se não o for, maior em pelo menos 1€. Corto a ponta isolada do tubo de plástico. Enrosco a ponta fina para uma aplicação mais precisa. Monto o tubo na pistola de metal. Começo a apertar o gatilho. Sai uma linha fina de massa, brilhante e branca. Apelativa, como um qualquer doce da casa acabado de fazer. Aliso a linha com uma espátula. Inspiro o aroma da massa e sou surpreendido. Não existe um cheiro agressivo, insultuoso aos receptores nervosos, que levam habitualmente a um franzir de cara até se dar a habituação ao cheiro. Sinto antes um cheiro agradável, difícil de identificar à primeira. Limpo a espátula a uma página de um qualquer obituário, manchando de branco as fotografias de antepassados mortos, também isolados, não por silicone mas por solda. Levo a página de jornal com a massa ao nariz. Menta. Sim, menta. Chamo uma testemunha para me desmentir, mas sou confirmado. Silicone com cheiro a menta. O isolamento está casa vez mais apelativo. A silicone cheira a menta, o tesa-mol é suave e macio ao toque, na soldadura vemos um pequeno fogo-de-artifício privado, na vida somos confrontados com possibilidades infinitas e indefinidas de sermos realmente algo de bom. O isolamento é apelativo, mas cumpre a sua função: isola.

terça-feira, abril 5

mjam mjam

Although it resembles a chouriço or other meat sausage, its taste is not meaty; it's tangy (but not hot), with a doughy texture and has a somewhat sweet finish in the palate. It is never cooked sliced unlike other sausages since its dough like content would pour out of the skin during cooking.

sexta-feira, abril 1

Democracy

" Her stare is a gaze, and my gaze back is the beginning of it, and I imagine the future: Why do you hate me? I imagine a girl's anguished voice. What did I ever do to you? I imagine someone else screaming. " Bret Easton Ellis in Imperial Bedrooms

terça-feira, fevereiro 22

Spam (que outro título?)

Escrevo mais uma vez o meu endereço de e-mail e password. Enter. Nada de novo. Newsletters de sites de emprego duvidosos, muito spam, muito lixo. Ofertas de uma sessão de talassoterapia por 21€. Ainda me questiono se a minha mãe ia gostar.

Base de dados. Actualização. Inserção de dados. Fico feliz por ter acesso ao meu mail, por poder ver, nos momentos mortos, os mails em corrente com o último cartoon sensação, ou com uma piada reciclada sobre um acontecimento recente. Refresh no e-mail. Nada de novo. Refresh. Refresh. “Get V14GR4, 50% OFF”. Spam, spam, spam! Sinto-me por momentos, num sketch dos Monty Python.

Entrevistas de meia em meia hora. Tentar convencer pessoas a aceitarem um projecto caduco. “Vai ser uma óptima porta de entrada. A evolução na carreira é inevitável. É um projecto interessante para si. Vai aprender muito. Vamos contar consigo. A remuneração aumenta de acordo com o seu esforço e os seus resultados.” Secretária de novo. Relatórios de entrevistas com os mesmos veredictos: “Vai dizer alguma coisa amanhã. Neste momento, tem outros projectos mais interessantes. Não é o projecto que pretendia.”

Escolhi (ou fui escolhido) para a profissão errada. Odeio pessoas. E tenho de falar com elas, sorrir para elas. Lidar com a sua estupidez. Com 4ª classe, com doutoramento, são todos estúpidos. O que me faz odiar as pessoas é pensarem que me podem enganar e tomar-me por estúpido. Não sou estúpido. Repugna-me a estupidez. Spam, spam, spam! Informação inútil, que nos é imposta. “Faço parte do 3º Agrupamento de Escoteiros. Fui voluntária num lar de idosos. Fiz uns trabalhos por fora na área do entretenimento.” Muito me contam. Que bom, digo eu. Isso é muito estruturante, digo. É uma óptima experiência, digo eu. Mentira. Não é interessante, não contribui para nada. Têm o tempo ocupado. Óptimo.

Reuniões. Como modificar algo que está caduco à nascença, que outro tipo de estratégias podemos implementar para melhorar os números, não estamos a conseguir atingir os objectivos, o budget não comporta a estrutura do projecto. Spam, spam, spam!

Tenho de conseguir mais pessoas, tenho de conseguir colocar mais pessoas a trabalhar numa função odiosa e mal paga. Números. Números, números, números. Spam, spam, spam!

Os dias começam bem, sem percalços, com as notícias da rádio a acordar. Um sismo do outro lado do mundo, um líder da oposição crítico, a crise financeira a agudizar-se. Nada de novo, tudo na mesma. O ar fresco das manhãs de Outono na face limpa e fresca sabem tão bem como os dentes lavados depois de acordar, a nada de novo. Os transportes públicos que, às primeiras viagens da manhã, já têm um forte odor a ser humano fora de cativeiro. Olheiras, bocejos, alguém a comer uma merenda mista ou um folhado de salsicha por pequeno-almoço. Jornais de distribuição gratuita esquecidos (ou desprezados) nos bancos. Spam, tudo spam. Spam, spam, spam.

O entusiasmo da chegada ao escritório é fulminado pelo “bom dia” azedo de colegas com quem nunca se fala a não ser de números, ou pelo olhar propositado sem palavras que diz “tu não pertences aqui, não mereces estar connosco, não és digno da minha simpatia”. Crostas de snobismo e de inércia racham à tentativa de início de diálogo, mas não quebram. Desisto. Sinto-me com vontade de ficar na varanda dos fumadores o dia todo a ler a “Anna Karénina”. Apesar de obra-prima, tem spam. Páginas e páginas acerca do sistema agrário russo da última metade do século XIX. Não me interessa, apesar de ser um justificativo para o agnosticismo de Lévin, que mais tarde se reconverte ao cristianismo, depois de uma epifania, onde chega à conclusão de que sempre seguiu as máximas cristãs. Refresh no e-mail. Nada de novo. “Hi from an old friend!”, “Enlarge you p3n1s”, “Have your college certificate, from Harvarb University”. Spam, spam, spam!

Se odeio pessoas, a minha profissão é a adequada. Seleccionar pessoas, decidir sobre o seu futuro profissional. Ao odiar todos, vejo-os como iguais, não caindo na tentação de beneficiar alguém por simpatizar mais ou menos com uma ou outra pessoa. Todos são iguais. A mesma corja inane, monocromática e monoplasmática. Estúpidos, todos. Inúteis que nos são impostos. Spam.

quarta-feira, fevereiro 16

KNOW YOUR ENEMY!

sexta-feira, fevereiro 11

O que p´rái vem

Além da moção de censura, o Bloco podia propor uma mocinha de biquini. E o Carnaval que está quase aí à porta...
Latagonas tugas a abanar o courato com collants de lycra para não se notarem as elevações topográficas celulíticas, ao som de um qualquer sambinha polifónico. Como é lindo o carnaval de Loures...

segunda-feira, janeiro 31

venha daí a primavera!

terça-feira, janeiro 25

Amigo Ubíquo

Existe um grupo de pessoas que me irrita particularmente: as pessoas que presenciaram sempre uma situação, por mais absurda que seja, ou que, por defeito, conhecem alguém a quem algo do género aconteceu, ou que, por hipótese nula anterior, conhecem alguém que conhece uma pessoa a quem algo parecido sucedeu. O mais interessante será verificar que a idade cronológica destes indivíduos não comportaria uma quantidade tão grande de acontecimentos nem capacidade de fazer tantas amizades quanto relata. Vamos chamar a esta personagem o Amigo Ubíquo. Concretizando, quando se ouve alguém referir que "Fulano esteve em desintoxicação de heroína. Deve ter sido muito complicado", e o nosso Amigo Ubíquo replica "EU, uma vez, estive a ajudar um amigo meu a desintoxicar-se. Estive uma semana, com mais um amigo nosso, a ajudá-lo, num apartamento na Reboleira. Foi terrível, ele tinha dores, suava a potes, tinha frio e calor. Foi impressionante. Mas ultrapassou e agora é um quadro médio de uma empresa grande." E quando olhamos para o Amigo Ubíquo, é uma pessoa paraplégica, de meia idade, claramente sem vida social, muito menos com toxicodependentes. Da mesma forma: "Sicrano não tem conta bancária. Se calhar viu as suas contas serem encerradas por dívidas de familiares ou algo do género." E o Amigo Ubíquo: "Sim, eu conheço casos desses. Isso aconteceu a um amigo meu. Foi terrível. Todo o dinheiro que caía na conta era automaticamente retirado." Mais uma vez, não acredito. E mais uma vez, paraplégico/a, sem vida social. Teoria: vive por algum ente próximo (irmã/o, enfermeira/o, etc.). Teoria 2: vê muito cinema e séries, utilizando os acontecimentos (absurdos ou não) para tornar, aos olhos dos outros, a sua vida mais interessante e admirável. Rodeado por jovens e fracos de espírito, este handicapable conta as suas peripécias e conhecimentos, fisicamente impossíveis de desempenhar para si. Este Amigo Ubíquo existe. Já me apeteceu várias vezes rebentar-lhe as rótulas, mas ele não sentiria nada e isso não quero.

domingo, janeiro 16

Portuguese psycho

- Olá, pode pesar-me os kiwis?
- Ah, desculpe, desculpe, é que estamos aqui em arrumações.
- Não faz mal.
- Pode pôr aqui. E peço desculpa.
- Não peça desculpa que me faz sentir mal.
- São dos grandes ou dos pequenos?
- Dos pequenos.
- Ah, pareciam dos grandes.
‎- E quer ter sexo comigo?
- Mas eu sou uma senhora de 60 anos que trabalha no Continente, porque raio quer ter sexo comigo?
- Talvez goste de velhas, talvez seja perverso, talvez esteja muito triste...
- Quer instrumentalizar-me?
- Mas que raio de velha letrada é você?
- Hum?
- Ah, os kiwis eram dos grandes!
Vou-me embora e afoito, olho toda a gente nos olhos, fixamente. As pessoas desviam o cenho com superioridade e uma gorda sorri-me. Levo com o frio da ausência de ninguém, pois ninguém me falta nem eu falto a ninguém. O meu coração dá as badaladas da inutilidade e sinto o acre bafio da minha personalidade que, como uma mulher dos anos 80, se desleixou por se ter fartado de mim.
Nunca mais aqui volto.

terça-feira, dezembro 7

e, depois, eu, na minha opinião, acho isto muita confuso.

segunda-feira, dezembro 6

Escondo-me o que posso nas roupas que tanto me custam comprar. Sinto-me mal dentro de lojas de roupa, parece que toda a gente olha para mim e sabe que ali não pertenço. Abrigo-me atrás de um ar que pretende não revelar nada. Há quem se aproxime, talvez ano sim, ano não. Nos anos ímpares, há quem me toque, quem me interrogue e queira, apesar das suspeitas de que algo não vai bem, chegar um pouco mais além. Não que eu interesse, mas sirvo para fazer figura. A minha capa… Eu nem sei bem porque ainda me submeto. Talvez a solidão seja mesmo atroz e eu precise de usar palavras, de debitá-las, ouvir-lhes os sons. Talvez a escrita, amiga e dolorosa, não seja suficiente. Então… lá vou, ouvir, ser ouvido, basicamente apenas oiço porque, movido por uma obsessão pela beleza, demoro a conseguir encontrar as palavras que quero utilizar e as pessoas, não esperam, não respiram fundo nem cedem uma oportunidade para eu começar; o silêncio incomoda e parecem ter tanto para dizer, ter tanto desinteresse para esbanjar de maneira abrupta, precipitada...

sexta-feira, dezembro 3

Deixemo-nos andar.

Oiço-te os passos muito ao fundo embora caminhes ao meu lado. Colidimos suavemente um par de vezes durante a marcha, e isso são pequenos arrepios de um conforto animal que infelizmente não chega. O frio é indecente, mas torna-se tolerável quando os pensamentos depressivos me assomam e envolvem como as mãos de uma mãe negligente. As luzes espreitam por entre folhagens de árvores encarquilhadas pelos pensamentos idiotas dos transeuntes. Já nos separámos e agora, feitos parvos, subsistimos que nem hologramas impregnados na carência um do outro. (Como os carros, os hologramas dos carros, recordas-te?)
Vejo-te a ir ali, espreitar aqui e a trocar curtas e insípidas palavras com. Observo, escuto, escondo o queixo por dentro do casaco ao mesmo tempo que subo os ombros e sinto-me a evanescer, a diluir-me na atmosfera pérfida sem centelha de calidez. O fosso aumenta cada vez mais e um par dos nossos encontros pontuais, não chegam para iludir a evidência: rotas distintas denunciadas num enternecedor fixar de olhares durante o jantar; trajectórias que se afastam e afastam... como foi possível que um dia tivéssemos colidido? Como pôde acontecer percorrermos juntos ruas de subúrbios, partilharmos piadas na farmácia ...futilidades, lençóis conspurcados... como pudemos jogar raquetas na praia que ficou a conhecer um pouco mais do que aquilo que devia?
Já não há nada para te mostrar, conheces-me todo embora nada saibas sobre mim. Não sei de truques e manhas,não sei mexer-me por entre gentes nem estabelecer contactos ou vectores de oportunidades oportunistas. Não sei manusear com destreza aparelhos estranhos nem tampouco possuo bom ouvido.
Estás do outro lado e embora te escute e sinta o teu odor com grande verosimilhança, é tão evidente que estas aparições pontuais com que premiamos e castigamos o outro, irão findar, terminar sem deixar rastro, porque a carência não é eterna, porque a miséria está em constante mutação e a dada altura, deixaremos de servir. Pois, pouco há em comum, pouco há que faça sentido, pouco do outro conseguimos tolerar. Tristeza será a química ao invés da castradora melancolia.

sábado, novembro 27

portugal numa casa de banho

sexta-feira, novembro 19

Lei

A lei do tabaco foi aprovada faz 2 anos ou coisa parecida. Acho que sim, foi bem jogado. É uma coisa útil.
Mas a merda que sai da boca não tem apenas origem na combustão do cigarro. Não, longe disso. Agora está tudo a pensar em certas halitoses com que nos deparamos ao longo da nossa vida (quando alguém quer terminar uma relação amorosa, geralmente acusa o parceiro de ter ficado baforento - um clássico). Mas não, não é a isso que me refiro...
Está na hora de aprovar a lei que proíbe que as pessoas em locais públicos, falem utilizando um volume excessivo com a clara intenção de a sua conversa ser ouvida por não-interlocutores (pessoas que não participam na conversa).
Quem nunca se sentiu incomodado por um tipo que na fila de trás do cinema exibe os seus rudimentares conhecimentos de cinema? "- ...ah, o melhor filme do Woody é o Match Point. Sim, eu trato-o por Woody, somos muito íntimos, hahahahaha ". Quem nunca se irritou com observações do género "gostei do conceito do filme"? Com aquelas discussões pedantes na fila para qualquer coisa. Com tipos que claramente obtém um sexual thrill ao declamarem dentro do autocarro que gostam de pilas. E depois há sítios onde qualquer coisa que saia de uma boca é assim mesmo, para ser ouvida por todos, guinchada das profundezas dos nossos complexos, arrancada a ferros da psicologia menos analítica - nesses sítios cheios de freaks lavadinhos, enfim, nada a fazer; como têm os metros quadrados requeridos de pedância e as paredes com pinturas estilosas, pode-se perpetuar por lá o hábito que eu tanto gostaria de ver eliminado.
Vamos fazer uma forçazinha para aprovar esta lei. Acabar com os grafiteiros orais que fazem os seus rabiscos pelo ar que é de todos, obrigando-nos a contemplar a sua pujante nuvem de presunção.
Dia 12-12-2010, vota sim na Lei 3/35365/13/12/2010 e delicia-te com as coimas a serem aplicadas a essa cambada de diletantes no cio.

quarta-feira, novembro 17

Prefiro estar acompanhado ou cruzar-me com alguém que cheire intensamente a batatas fritas do que com pessoas com perfumes maus. As senhoras idosas e reformadas estão no top do ranking de pessoas que usam perfumes ofensivos, escolhendo com grande frequência o "Don Algodón", que é um misto entre Raid Casa e Plantas (do antigo, que o mais recente já é perfumado) e pó-de-talco da Johnson & Johnson's. Questão: tenho de colocar algum comentário sobre a estupidez do horário de inverno, ou não é requisito para escrever no blog agora? Nota: Post escrito segundo a antiga ortografia.

quarta-feira, novembro 10

do Avesso

Não tenho colesterol, nenhum...
Não tenho diabetes.
Pois não há qualquer açúcar em mim.
A minha urina tem pH 5.
O meu coração bate tão devagar que o ponteiro dos segundos lhe dá voltas e voltas de avanço.
Às vezes penso para comigo... e se me virassem do avesso?
Serei certamente muito mais bonito cá por dentro. Belo e sem extravagâncias urbanas, sem tatuagens ou apliques metálicos, puro. Sem excedentes de carne gordurosa a ulular por todo o tracto digestivo. Um odor até aceitável, longe do fétido das bebedeiras e vilezas torpes da falta de exercício. É tudo perfeitamente catalizado, anabolizado, transformado. As enzimas movem-se de forma ordeira, como se estivessem numa parada militar "ATENÇÃO! SENTIDO! O senhor Alferes dá autorização que mande sentar?".
Como pelos vistos sou profundo e espirituoso, até no sentido metafórico isto funcionaria. Ah, seria magnífico, o meu cérebro baila a mais depressiva das valsas só de imaginar a situação... o encarnado (sim, finalmente seriamos todos da mesma cor), o celoma e as contracções intestino-enguinais, tudo a funcionar parcimoniosamente...
- Sôr doutor, acho que tenho um sinal feio na epiderme.
- Então vamos ter de o abrir...
Por favor, virem-me do avesso...
É o meu maior desejo para o ano que se avizinha, que um dia acordemos e estejamos todos ao contrário, presos no estendal num belo dia de sol do estúpido horário de Inverno.

sábado, novembro 6

Animal

É uma besta aguerrida e que sem saber, sabe o que quer. É determinado, vil e sexual.
Não que me meta medo, não que me assuste com as suas feromonas e instintos torpes. Eu encaro o animal sem qualquer receio e desfaço-o sem qualquer espécie de piedade, seja com palavras ou com os braços, desfaço-o, sempre.
O animal despreza-nos, a nós, irmãos, tal como nós o desprezamos, tal a sua repugnância, ausência de valores e vivência demasiada instintiva mas desprovida de visceralidade.
Ele passa com a sua música quadrada e desconcertante para qualquer um de nós. Traz a sua bebedeira pungente e a marca de uma sarjeta ou de uma escarra que a cidade por vingança, lhe lançou, mas, que lhe importa, que o incomoda? Sabe o que quer e como guerreiro que é, vai directo ao assunto, vai ter contigo que lhe dizes que não mas, só fica mais forte e vira-se para outro lado, porque funciona a 360º e lança outra vez uma pícara frase de engate interrompida a meio por um arroto aziago. Pois é, vomita-se todo e, mais forte fica, outra vez, até ao fim da juventude...
«Que grávida mais bonita» Sê mais animal, irmão.

Somos irmãos

Como os cães que jaculam o sarro do seu vazio através do olhar melancólico. Não me venham dizer que os cães não se sentem melancólicos, que os cães não sofrem de males de alma...
Quase perfeitos, quase impossível imaginar que o que nos acontece, pode estar mesmo a acontecer.
Somos mesmo irmãos.
Sós por essas ruas fora ou fechados em casa em busca de uma alternativa. Perdemos o rumo e agora, derivamos por onde os piores que nós navegam com perícia. São piores mas vêem a 360º, dominam por completo o espaço euclidiano. Não conhecem derrota nem frustração. Não há coisa que os abale, não há som ou odor que os afecte.
Como o Gabiru, teorizamos sobre a vida, acerca das coisas e das causas. Recordamo-nos de passagens de livros, de letras de músicas e ideias de outros. De nada servem, não funcionam para este jogo animal. Perguntem aos cães deitados na beira da estrada e alumiados pelo crepúsculo precoce, facultado pelo estúpido horário de Inverno.

segunda-feira, novembro 1

Fechou-se um ciclo. Novos temas surgirão.

Auto violação

Digo que te salvo o bonsai e levo-o para a minha casa, não imaginei que acabasses por vir também. Olho para o tronco da planta e sei que está perdida: definhou e os insectos divertem-se por lá, pelas rugas dos ramos ou nas folhas secas que silenciosamente gritam morte a plenos pulmões. Fiz-te o jantar e depois de ficarmos um bocado à janela, onde pelas frestas dos estores, vimos, numa janela em frente um casal a ter sexo, foste para a cozinha e ouvi-te a mexer nas coisas, como que estivesses a limpar. Estranhei e perguntei se estavas a pregar-me alguma partida: a urinar para o fogão ou defecar para o forno, parece que não e a cozinha ficou limpíssima. Não sei porque o fizeste, talvez quisesses mostrar que querias vir viver comigo, e vieste.
Vieste também porque a tua amiga não gostava de mim e te achava diferente desde que estávamos juntos. Acusava-te de tudo e mais alguma coisa, embora fizesses as coisas exactamente da mesma forma. Ela tinha planos para ti, foi o que eu te disse, mas nunca me quiseste ligar muito. Ela imaginava-te com alguém com quem ela também gostaria de ter estado, ela via-te como alguém que deveria ficar com as suas segundas escolhas, porque eram, apesar de segundas, boas demais para serem desperdiçadas. Ela via-te com um tipo do meio, via-te armada em artista, pedante, delirante, drogada, maquilhada e mais tarde, desmaquilhada, ela via-te como um adereço, um apêndice, alguém que lhe facilitaria a vida mundana e os encontros duplos, uma muleta, um vector de propagação de conhecimentos sociais, um pout-pourri para mostrar aos amigos quando eles lá fossem a casa.
Os dias correm como nunca antes haviam corrido, flúem freneticamente, deixam de se suceder pé ante pé e cessam com aqueles anúncios que de forma constante fazem o apanágio da finitude. Parece que vejo o meu interior, pela primeira vez está-me defronte dos olhos e parece-me claro, não existem movimentos involuntários, sinto e percebo cada sinapse, cada movimento peristáltico ou respiratório, até mesmo cada pulsar de coração, são por mim sentidos, programados, reflectidos, máxima verosimilhança. Levanto-me com uma certeza, levanto-me e noto a tua cara enquanto ainda dormes que ao contrário de algumas que te precederam, não adquire contornos apatetados. Pareces tão serena, tão em paz, parece que te detecto um ligeiro sorriso enquanto dormes, sorriso que quando estás acordada, poupas ao máximo, o que acaba por fazer com que um dos teus raros sorrisos, me dê a certeza de qualquer coisa, o garante de algo que ainda não consegui definir de forma clara, talvez por falta de tempo, talvez por todo o tempo que eu tenho sirva para te apreciar, sirva para nos embalar nesta nossa deambulação no mundo, nas ruas, nas avenidas e caminhos de terra batida cercados por canaviais que bailam ao vento, que percorremos e onde acabamos, num recanto mais pardacento, por ter sexo sempre da mesma forma, levanto-te a saia ou baixo-te as calças, desvio-te as cuecas para o lado e penetro-te a olhar-te para a nuca, enquanto tu com ambas as mãos te apoias no que sirva para esse efeito.
Conversamos, filmamos, temos ideias e procuramos luz. Adoro que procuremos luz, tu para filmar, eu para escrever. Idealizamos parcerias. Belo Inverno este, cheio de períodos em câmara lenta e arrepios quentes na espinha, com casacos apertados que nos protegem do frio e tu cheiras sempre tão bem... o melhor aroma de todos, um aroma a inacessível. Sentados numa paragem de autocarro, captas as luzes dos faróis, dos semáforos, dos candeeiros, as reflectidas nas roupas das pessoas e no alcatrão molhado pelas chuvas que amiúde caem. Comemos num sítio qualquer, sempre a olhar mais um para o outro do que para a comida, eu nunca aguento muito e sorrio passados alguns minutos, tu ali ficas, estóica, com um ar sério e meditativo, eu, forte, consigo sempre resistir à tentação de te perguntar no que estás a pensar.
De mãos dadas e a sentirmo-nos belos dadas as palavras e os gestos que soltamos ou criamos, trespassamos propriedades privadas que tu pensas estarem abertas ao público e levo-te aos recantos onde ninguém leva as namoradas. Explico-te o que são salgueiros, plátanos, sequóias, urzes, gramíneas e o que mais aparecer. Deitamo-nos numa clareira e vemos lebres, corvos, melros, lemos passagens de livros à beira de um palacete decrépito que ameaça ruir, rebolamos e damos cambalhotas, fazemos o pino e por instantes, a consciência deixa-me sisudo: mais uma falta ao trabalho ou mais uma punhalada do realismo extremo, que me gela, que me faz ver vulgaridade em nós, banalidade, trivialidade, em mim, nos meus sentimentos, que me faz acreditar que tudo é falso e que estamos, claramente, completamente fodidos por dentro e que o que eu digo, digo apenas por soar bem.
Roubamos coisas nos hipermercados, no início achavas mal e ficavas mesmo nervosa e irritada, depois, expliquei-te a razão de não haver qualquer problema em roubar nos hipermercados, compreendeste e aceitaste, tal como aceitaste a grande maioria das minhas filosofias e regras morais a que eu dedico tanto tempo. Mostras-me as tuas roupas novas e eu gosto, mostras-me os teus pratos novos e eu gosto, cozinho para ti e tu gostas. Damos moedas sempre que podemos aos indigentes que as pedem e, sentimo-nos bem.
Urbe. Morreu a cidade, morreu e vai ressuscitar com pernas e braços, vai agarrar as gentes e pontapear os carros. Vai erguer-se e separar-se dos esgotos, das cavernas, dos abrigos subterrâneos, da rede do metropolitano, vai-se embora e deixa-nos com a porcaria que não víamos, com o lixo que largávamos.
Numa noite em que tínhamos andado a fotografar de tudo e mais alguma coisa e observado as gentes que se aglomeravam para tentarem ser felizes ou esquecer a sua infelicidade através do álcool que nunca tornou ninguém feliz, prosperavam entre nós comentários acerca do quão importante era para as gentes parecer qualquer coisa, melhor ou pior, mas nunca elas próprias. Agarrados, numa esquina sobrepovoada, chamávamos a atenção um do outro para olhares, para os brilhos infelizes que o sorriso camuflava mas não apagava; os movimentos corporais podiam ser expansivos, as parvoíces podiam sair a mil da boca, mas num momento, num instante, lá estava, a centelha da infelicidade, da depressividade tantas vezes ignorante. E tu fotografavas, tentavas de maneira discreta, captar essa luz sincera, esse momento revelador que as pessoas tentam a todo o custo esconder, porque sabem que as outras não têm paciência para tristezas, não querem levar com macambúzios, sisudos, pessoas com problemas, procuram antes, gente alegre, gente de piada pungente e que goste de se divertir daquele modo grotesco, que é ir para um sítio ruidoso para assim não haver necessidade de manter um diálogo.
Já muito cansados e a uma hora tardia, parámos um bocado num miradouro, porque sentimos que ainda não é hora de ir para casa, sentimos que as nossas conversas, os nossos olhares, começam a atingir outro nível de cumplicidade, provavelmente idiotice nossa, mas ali ficámos, endiabrados por paixão e cheios de frio, a ver a cidade em sofrimento psicótico, porque nem dorme nem acorda, está por ali atordoada com as luzes artificiais que lhe baralham os sentidos durante aquelas horas que não passam, apenas se vão liquefazendo e escorrem em direcção às sarjetas para povoarem a escuridão e mórbida fertilidade dos esgotos. Gritos, uivos, rugidos de dor, raiva disfarçada de amor e ausência de contenção, viemos a saber que nesta noite alguém foi assassinado, o que explica os guinchos frenéticos das viaturas de emergência e as fugas de gente mal apessoada com a boca cheia de palavrões e namoradas que se esforçam demasiado para parecerem ter mamas maiores e o rabo mais espetado.
- Queres dançar? – pergunto-te ao ligar o mp3 que permite que se oiça a música baixinho através dos auscultadores.
- Sim.
Respondes e agitas-te languidamente, eu noto o teu cabelo humedecido pela geada que cai de forma sub-reptícia. Dançamos agarrados e a sorrir, eu já de olhos fechados porque me ardem e tu acendes um cigarro para que oiçamos o barulho do papel a queimar, que ambos adoramos.
Venho do trabalho, quase nunca te encontro em casa e gosto. Gosto de estar um bocado a olhar para as tuas coisas, aquece-me a mente. Olho para a loiça que usaste e deixaste desarrumada, para roupa interior espalhada em cima da cama, porque estiveste a escolhe-la quando te levantaste, às 10, às 11, às 16. Adoro ver a casa acabada de usar por ti, sinto a tua intimidade a pairar por ali, o odor do teu perfume, o teu calor, parece que os teus passos, os teus movimentos, deixaram um rastro que ainda se nota pelo corredor, no quarto, na sala, na almofada… desejo-te tanto… Encontro um bilhete que escreveste para mim e colocaste dentro da concha enorme que um dia encontrei numa praia. Gera em mim algo ambíguo. Fico abatido por teres acordado tão tarde e teres ido ter com uns tipos que provavelmente te querem separar de mim, porque o mundo quer separar-me de ti, é sempre assim, mas por outro lado, fico tão contente pela consideração, pelo conteúdo. Como qualquer coisa e da pequena varanda espreito para a rua e sei que me basta esperar, que a felicidade virá ao meu encontro. Já não tenho de procurar nem desejar nada, basta esperar, esperar um pouco... claro que nunca há um dia em que não receie que já não regresses, mas, quando estou mesmo a assustar-me com esse pensamento que apesar de surgir cedo, demora muito a adquirir credibilidade, lá vens tu, de regresso, com a tua franja e vestido castanho, com as tuas pernas sempre tão bem depiladas e graça natural em todos os movimentos conexos ou desconexos que faças.

domingo, outubro 24

O Desejo Anal, ó jovem idade!, em Oliveira do Hospital

No Outono, o jovem macho das beiras curva-se perante o totem em granito, prestando uma vassalagem há muito celebrada pelos mais velhos, os quais, após farta dose de cabrito assado no forno, repicam com prazer, passando o gostoso testemunho de "muito se come na Cristina"
imagem 1 - representação granítica do cú da mulher do dono do restaurante.

quinta-feira, setembro 30

Apenas mais uma história para o seguinte.

Custa-me no meio de todas estas coisas que não param de acontecer e escorrer por todas as frestas abertas pelo tempo, particularmente, teres feito a escolha certa e doer-te quando me notas o olhar. Incomodo-te com a minha profunda tristeza, afecto-te com um par de lágrimas que sabes existir algures. Afronto-te com a minha bondade e o meu desonrado perdão que jamais esperarias. Sabes da raiva, do ódio, da mancha de fúria que se alberga dentro de mim, sabes de tudo e isso, culpa-te, obriga-te a fazer disparates, obriga-te a manteres-me por perto esperançando que um dia eu te dê o motivo, que um dia te destrua ou que pelo menos, te parta um osso, te puxe pelos cabelos, te atire contra uma parede ou das escadas abaixo - sabes disso e sabes que seria tão fácil, sabes da besta belicosa que constantemente procura libertar-se. Fazer merda, sempre soubeste como.
Tudo escorre, como a água de cor metalizada que às ondinhas se dirige de forma indolente, para um sítio qualquer, para o sítio mais fácil e acessível – nunca complica, nunca hesita, nunca se constrange. Tal como a tua decisão, a tua comiseraçãozinha.
- Posso voltar a estar contigo, posso ajudar-te, salvar-te, mas nunca mais te toco.
- Mas eu quero ser tocada por ti.
- Jamais o voltarei a fazer.
- Mas eu preciso ser tocada.
- Haverá outro para te tocar, sempre houve. Eu preciso de não te tocar.
A noite avança pela tua casa dentro e eu fixo-me na pasta luminosa que vem da rua e nos zumbidos da cozinha entrecortados pelo ruído de um carro que em esforço sobe a tua rua muito inclinada. Estarei a tratar de ti? Pedes-me dinheiro e eu empresto, pedes para aparecer, para te socorrer de uma fobia, dum pânico caliginoso que emerge de uma esquina da tua sala e eu engendro sempre forma de te convencer que está tudo bem, o que não é fácil, pois questionas, colocas as coisas de maneira a que me seja difícil responder-te sem me desviar das minhas crenças.
Cá estou, deitado no teu sofá à espera da aurora, sem entusiasmo, apenas com o leve alento de saber que quando há sol me sinto melhor. Como pude eu ser teu namorado? Sabia perfeitamente que me irias acabar por trair e enfim, a tua conversa sempre me irritou. Mas o olhar, o teu ar… eras uma das poucas que tinha um ar interessante, que cativa, que intriga, a maioria são cepos sem grande profundidade na sensação que nos provocam, nada para lá da visceralidade que geralmente se transforma em conformismo. Então que faço eu aqui? Será por ainda me doer, será por não ter ninguém?
Apareces à porta da sala com os olhos semi-cerrados e ar de autoritarismo que se sobrepõe à irritação de um sono retardado.
- Vá, anda para a cama.
- Estou bem aqui.
- Por favor, vem para a cama, estou com uma pedrada descomunal, fumei um charro muito forte, não me apetece ficar aqui a insistir.
E subitamente voltamos aos tempos passados, longos, carregados, pícaros momentos de angústia e de um sofrimento claustrofóbico, traumas que ainda marcam, trabalham o sofrido quotidiano. Irritas-me, ofendes-me. Já não somos namorados, traíste-me, tens outro, estrangeiro e que corresponde a todos os teus anseios e desígnios amorosos. Foste para a Irlanda com um, para a Alemanha com outro.

segunda-feira, setembro 27

Coimbra

Coimbra de dia é vulgar, não lhe encontro nada de especial nem na luz nem na sombra. É transida por pessoas iguais às dos outros sítios, mas com melhor aspecto e ar mais inofensivo do que aquele ao qual estou acostumado. Tem um rio, pontes pedonais, ruas e ruelas, escadarias, colinas intransponíveis e as mulheres têm na sua grande maioria e ao contrário daquilo que se vê em Lisboa, seios bem desenvolvidos - para além de usarem calçado mais fechado e indumentárias menos arriscadas.
À noite é o degredo, não vejo roubos, violações, agressões, mas os estudantes estão com o cio da libertinagem, urinam em todo o lado e sedem apenas quando o vómito escorre pela calçada abaixo em direcção à sé velha ou ao pátio da inquisição. As mulheres, enfim, miúdas roubadas a uma qualquer família de uma Beira, autênticos répteis de tão frias estarem; litros de maquilhagem que inviabilizam qualquer expressão mais quente e não há um único sorriso feminino durante a noite que passe dos lábios e chegue aos olhos.
Alguns andam nus ao abrigo de uma tradição qualquer, outros, mais funestos devido a uma não aceitação, levam tudo à boca e tentam qualquer coisa para serem notados nem que seja por uma fada corrompida por sonhos que nunca chegou a perceber.
Transito e não gosto do que vejo, magoa-me, deixa-me tão distante, tão fora, tão inútil, pois é pouco o que posso observar que passe do nível do traço. Não há emoção em Coimbra, não há um piscar de olho, um arrepio, um frémito que evoque um par de dedos ou um toque mais prolongado.
Salvou-se aquela no Jardim Botânico, que se arriscou a encarar-me nos olhos e apanhou o susto da sua vida com o que viu.

quarta-feira, setembro 8

Uma breve história sobre o tempo

O despertador toca às sete e eu não acordo, nunca mais acordei. Não me recordo da última vez que adormeci, do último sono pacífico, do último momento tranquilo. Já não me recordo de quem era quando dormia.
Recordo-me de ter colocado o meu indicador no teu nariz, de passar os dedos pelas tuas gengivas e dentes. Lembro-me do toque… do teu aroma, da pele arepiada nas coxas… da textura dos teus lábios quando sóbria, da textura dos teus lábios quando estavas encharcada em meta-anfetaminas.
Respiro fundo de forma furiosa, enraivecida, de tremenda violência, mas não há qualquer alívio. Continua a pontada constante da angústia dentro de mim.
Ando pela rua, ando dentro do carro, pairo pelo trabalho, sempre em alerta, sempre à espera de uma chamada, sempre com receio que uma lágrima me denuncie toda a dor e fragilidade. Espreito pelas esquinas do meu ser, aguardo o momento do pique baixo do latejar, para conseguir ver a luz, aceitar o continuar. A custo me sustenho, facilmente me condeno e aceito o pouco que valho, o nada que sou. Sou um desesperado, um tipo completamente destruído por dentro. Criminoso o alento da esperança que numa noite nos engana e coloca uma máscara pouco polida na face.
A vista da janela hoje magoa-me. As horas não passam e nem sei se quero que passem, não vejo qualquer vantagem ou desvantagem em que passem. Ficar parado neste momento ou continuar a viver, é tudo demasiado parecido para que alguém com a racionalidade tão debilitada, possa equacionar. Consigo conter as lágrimas mas o ranho fluí-me de uma narina sem qualquer controlo e eu com um valente fungo tento conter a torrente. Não sei se acabei por ser bem sucedido mas vejo tudo de maneiras turvas, presumo que as lágrimas tenham conquistado o seu terreno. Não sou capaz de levantar os olhos e prescrutar se os outros me vêem ou não; se falam não os oiço, pois tenho um imenso ruído metido pelos ouvidos a dentro.
Já não como, mas, parece que nem preciso. Não sinto qualquer fome e mesmo que tente engolir qualquer coisa à força, o meu corpo rapidamente rejeita o substrato. Vou perdendo aquilo que me torna humano e vou ficando um sucedâneo de humanidade, vou-me tornando um desassossegado-major, um naufrago. Daqui a pouco saio de onde estou e deito-me na cama para mais uma tarde, uma noite, uma madrugada, de completa negritude. Talvez saia um pouco e vá à cinemateca, para poder descansado, verter lágrimas no banco de trás…
Falhei… Perdi e já não vai haver nada daquilo que imaginava, que desejava por entre as noites brancas em que te sentia ao meu lado. Cheguei a sentir-te mesmo ao meu lado, ali, estóica e firme como só um sentimento muito forte pode permitir. Estraguei sendo eu… mas não podia ser de outra maneira, era impossível e no final, talvez por culpa minha, assumo, aconteceu exactamente o que eu previra.
Resta-me esperar pela sensação de alívio e quem sabe, com um pouco de sorte à mistura, volte, se é que alguma vez aconteceu, a sentir paz.

quarta-feira, setembro 1

terça-feira, julho 20

sábado, junho 26

Pela noite dentro... (não ler antes do anterior)

Voltou e abraçam-se com tanta intensidade que tudo à volta parece espiralar. Tinham-se abraçado esta tarde quando o sol estava no seu zénite, mas parecia que já não se viam há imenso tempo, parecia que tinha havido todo um Vietnam a separá-los. Tocam-se no conforto do quarto que fica no sótão da casa dos pais, ligeiramente, lentamente. Beijam-se sob a meia-luz bruxuleante e riem-se com os cuidados que adoptam para não fazerem algum ruído constrangedor. Parece que o pior já passou... 6 dias e mais um bocado de outro pela frente, 6 dias e um bocado de outro sem preocupações, sem arrelias e angústias, querem aproveitar... Fazem um sexo decente, com amor e coisas boas que não posso saber descrever, o que não é grave, pois provavelmente todos os merdosos que lêem esta trampa também não fazem ideia daquilo a que me refiro, portanto, mais vale ser generalista e não entrar em detalhes que levariam para o campo feérico/fantástico.
Corre tudo bem e os cigarros à janela que inventaram no sótão, são de um alívio serotoninérgico. Ele, que esta noite tanto sofreu, está tão bem-disposto, ostenta o sorriso de piano mas, por um segundo, caralho, lá vem aquele demónio, aquela merda fodida que corrói mentes e impede que as pessoas sejam felizes, impede que usufruam dos momentos. O coração acelera, o raio do sangue pulsa com uma veemência cortante. Treme com a expiação que lhe fremita o soma, uma voz na sua mente fala-lhe de ódio, em raiva, punição. Abre a mala que ela levou quando saiu há umas horas, encontra umas cuecas pretas que ela vestiu antes de sair e, estão todas meladas, cheias de riscos e borrões brancos.
Pois é, capaz de ter gostado...

Da minha janela.

Da minha janela, vejo o meu vizinho, sentado no quintal, em cima de uma espécie de passeio que ladeia a relva bem tratada. Fuma um cigarro e dentro da sua ridícula t-shirt cor-de-rosa, espera que a mulher chegue. É bem apessoado, nota-se que foi mimado mas agora, parece-me algo impaciente e pensativo. Todos os sábados ela sai, a seguir ao almoço. Noto-lhes a despedida pesarosa, como se fossem separar por meses, anos, ideologias, mas, ela volta de noite, 21h, 22h, 00h, 3h... Acaba sempre por chegar e eu, cá de cima costumo contemplar o seu traseiro voluptuoso e claro, as raízes capilares que espreitam do centro da sua guedelha loira.
Lá continua ele, com os seus jeans gastos mas que parecem novos, a deixar queimar o cigarro entre dedos enquanto cabisbaixo fixa a relva que a esta hora é verde-escura. Passa o autocarro da fertagus e a minha janela trepida. Em que pensará? Porque está ansioso? Sentirá uma ligeira frustração por ter de partilhar a casa com os pais ou sogros, pois não sei bem o que lhe são? Tem medo que não volte? Teme que tudo o que fez, tudo o que cedeu, que foi praticamente nada, seja em vão?
O céu que nos alberga está estático, parece uma pintura impressionista. Sinto que estou aqui num momento sem tempo. Nada se move, os gestos que se fazem não contam para nada, ela não vai regressar porque nada avança neste período, nada se altera, nenhuma circunstância muda, não há notícias para o telejornal, o cristiano ronaldo não se mexeu, não deu um erro ortográfico nem soltou um flato. Nada... Os ponteiros do relógio avançam o sol mexe-se mas, há bruxos por aqui.
Agora está em pé e caminha um pouco, ciranda dentro de dois metros quadrados e nada mais se mexe, nem os ramos das árvores abanam; os carros passam, mas são de enfeite, tudo artifícios para pensarmos que as coisas continuam, mas estamos parados, nada de real se altera. Isso deve explicar porque ela ainda não regressou para ti e porque raio me atiçam e depois ignoram. Devem crer que eu descubro o caminho.
Perdeu a paciência, atirou o enésimo cigarro para a estrada que passa em frente à casa e com uma descontida fúria, tira o carro do quintal e segue para Este.

sexta-feira, junho 25

Todos somos potenciais ditadores

Inicialmente tentava passar despercebido, ainda assim, sentia-me agoniado por não poder dizer aquelas coisas que eu julgava importantes e geniais - era tudo uma merda. Tretas de suburbano encharcado por uma falsa moralidade que ingenuamente incorporou. Não conhecia nada, mas, como ficava acordado durante a noite, quietinho sob os lençóis, cheio de medo do dia de amanhã e sem poder ficar a ver TV porque a mãe não deixava, tinha muitas ideias que gemiam com a vontade orgástica de serem ouvidas. Felizmente, era cobarde e ficava calado, diastema escondido, olhos apagados.
Depois, consegui um certo conforto, provido, provavelmente, por uma barba e por poder ficar na sala até tarde, o que deu todo um novo sentido à minha vida e ao meu onanismo. Como já não necessitava de estar constantemente preocupado em sobreviver de uma forma digna, como já não era uma espécie de presidiário letrado e etiquetado como meretriz, queria mostrar-me, falar, expor, exibir o jargão específico do diletante no cio, AUUUUUUUUUUUU. Falava com este, com aquele, contigo, comigo; discutia, ia para chats, fóruns e era pedante ao máximo; humilhava era humilhado, uma guerra constante. Encontrava-me com tipas para poder dar uso ao verbo, uso a uma atitude cheia de palavreado e pouco olhar. Era eu, aquele tipo, calado mas sempre a pensar em falar, no que dizer; por vezes, estava 15 minutos em silêncio, mas era apenas uma moratória, ganhava tempo para aplicar aquela frase petulante, chocante. Descobri palavras, mais tarde, descobri, após uma ou outra vergonha, como pronunciá-las. Toda uma relação promiscua, entre mim e o diabo, digo, diálogo. No trabalho, falava, com a família, falava, com amigos, com estranhos, professores, estudantes universitários, pessoal do tele-marketing, religiosos, lojistas, engates, pseudo engates, gajas feias e gordas que conseguem ser profundas e começar a falar de sexo quando sentem que nos estão a perder para um filme, uma série, pornografia. Falava com tudo e todos e até tentei declamar poesia para poder dar mais uma foda na Nádia que tinha namorado "-Quero que me fodas, quero que me rebentes o cu todo!"
Agora... agora já não tenho paciência para falar, evito os contactos, calo-me perante a sombra da altercação, por mais modesta que seja. O idiota já não me apoquenta e não me incomoda que a minha ausência, a minha abstinência o faça sentir-se possuidor de uma qualquer razão. De que lhe serve a razão? Se ele a expuser, a mesma não trará qualquer sentido ao receptor. Já não tenho paciência para mostrar a minha razão,a minha cândida iluminação; para demonstrações concisas que arrebatam uma audiência mesquinha, tacanha. Discordam comigo e dizem bestialidades? Não me dou ao trabalho, mas, secretamente, desejo aparecer-lhes à socapa, numa noite destas, e cortar-lhes a garganta, eliminar o pungente vírus da estupidez. Só isso, sorrateiramente, matar e poupar-me a argumentos.
Pois é ditadores...
Por agora, fico-me por aqui, sentindo-me um grande gânglio linfático depois de uma infecção qualquer. Não sai e nada e pior, não há vontade de tentar que saia, pois vai arder, vai magoar. Tenho de fazer muita força para falar, para ouvir. Cada vez mais escuto apenas zumbidos quando os outros falam e quando começo a falar, tomo nota mental de quão irritante eu sou, acabo a frase e digo para mim mesmo "foda-se, não vale mesmo a pena, perdi..."

segunda-feira, junho 14

Esta Madrugada

Em breve, falarei desta madrugada... Agora não consigo, pois os olhos que me ardem horrorosamente, não permitem que copie para aqui o que escrevi no caderno.

domingo, junho 6

Mais um dia

É sabido que as pessoas só querem falar e que, custa-lhes a ouvir seja o que for quando lhes é dito directamente. Uma grande verdade. Na minha família a coisa aparece extremada: gritos, berros, uivos, dores de ouvidos, vozes em sofrimento que causam uma certa impressão aos momentaneamente obrigados a escutar. Quando um fala, aos outros, os olhos coriscam de cólera, tremem-lhes os lábios, a mandíbula simula movimentos, toda uma tensão os prepara para a sua vez de conjugar uma idiotice qualquer, cronicamente interrompida a meio. Falam do trabalho e das questões ligadas ao mesmo e eu percebo que tenho uma família maioritariamente constituída por reaccionários. Fazer o quê...
Intermitam luzes amarelas atrás da agitada folhagem das árvores e passa um coelho à frente do carro. Sigo pelas tiras de alcatrão enrugado e com o vidro ligeiramente aberto, sinto, apesar da constipação, que aquela é a temperatura ideal para viajar de carro. É mesmo fodido, vivo ali perto e que já decorei onde estão os buracos maiores dos quais me tenho de desviar.
Tanto ódio e caminhos para fazer. Os segundos dão-me o dia e a noite e arrancam-me a vida.
Ao menos não sou um daqueles tipos que parecem sempre mais arredondados do que um ser-humano pode, na realidade, ser. Aqueles que precisam ser simpáticos e queridos durante toda uma década para terem onde montar. Depois, são como os outros, creio; quando se sentem seguros tiram a máscara bebem um gole de algo e questionam-se para quê tanto cinismo e falsete. Acho que isso me alegra, não ser um deles, um desses montes de merda com a sua peculiar forma de apelo. Alegra-me amiúde, poder ser uma besta e ainda assim, haver quem se interesse, quem olhe para mim duma forma que apesar de não revelar qualquer encanto ou fascínio, diz-me que não se importa, que me tolera e não quer saber de certas merdas que para miríades de gentes, seria impeditivo. É bom não ter de fingir, não ter de sorrir nem ter de ser sempre politicamente correcto. É bom poder ser negro, fazer piadas escatológicas, fazer o apanágio de perversões, usar o humor que me apetece; é tão bom poder fazer as piadas que quero, sejam apropriadas ou não, não preciso que venha um gato fedorento para me libertar um pouco mais do jugo das efemérides, não preciso de um best seller, de um tipo na TV, de um revolucionário que me conduza o verbo para leste ou oeste, eu posso dizer sempre o que me apetece e ainda assim, só não tenho filhos porque não quero. Não tive de ser um fofinho nem de me meter com merdas e inventar que sou gay porque não me sinto homem suficiente para competir com os espécimes claramente mais favorecidos.
Depois existe outro tipo de fofinhos queriduchos mas que, a dada altura não foram bem sucedidos no performar da sua arte de olhar de cachorrinho abandonado e penteados giros que levam a um passar de mão e comentários como "tão giro" e "és louco", então, mutaram, deixaram as brincadeiras inocentes, deixaram de ser uma bengala emocional, deixaram de ir lamber o esperma alheio e tornaram-se os sedentos da cretanina, dos anabolizantes, catabolizantes, das vitaminas e batidos, do cagar mais que os outros, dos isotónicos e dos enormes recipientes de plástico com pós para misturar na água. São os espartanos de pénis pequeno, os cavalos das rações, das regras, dos segundos, dos quilogramas a mais ou a menos, dos pesos, das ranhuras, dos olhares narcísicos ao espelho e da vascularidade sebácea polvilhada a cintilantes pústulas. É outra forma de ser queriducho, é outro vicariante do insucesso. És baixinho e fraquinho, então engrossa para os lados e para a frente, mete um gigantesco e disforme V maiúsculo em cima da tua cintura e passeia-te com umas calças da salsa dentro do cu pustulento. Isso dá-te o direito de ires a decathlon com uma mediana qualquer e escolherem a tenda onde vais ressonar e em segredo, sentir-te tão pequeno quanto antes.
Pelos vistos posso dar graças por qualquer coisa, posso dar graças por ser de uma mediocridade genuína que não precisa de um invólucro ou de um preço especial, para ser consumida.

domingo, maio 23

Receptáculo

Ao invés de me limitar a ser profunda e lentamente infeliz, vou ser infeliz enquanto desprovido de virtuosismo, escrevo: De tempos a tempos existe algo que move o ser por excelência miserável. Não tem de ser nada em particular, não são precisas centelhas, fogos, reverberações de essências quiméricas; pode acontecer ser apenas uma actividade comatosa, um objectivo mais ou menos tangível, uma fagulha já sem incandescência, uma pessoa que nos fascina apenas por ser uma estranha com um pensamento distante da nossa teoria da mente ou com um odor completamente misterioso dado o desconhecimento e a distância até então. «Como seria a fragrância daquela pele clara, fina, gasta por vivências pesadas e pelo fumo do tabaco...» Hoje vou referir-me a um par de dias onde algo me moveu, uma pessoa. O treino para não querer saber é igual ao treino para matar, é algo que se torna inútil a partir do primeiro e mais baço brilho que surja no horizonte da nossa tépida imaginação. Tão gasto… horas e horas sempre a pingar, gotas de destino sem nada que as distinga, sem nada que as torne memoráveis nem mesmo recordáveis. Eu dou o primeiro sinal, por mero acaso e sem qualquer convicção e, obtenho resposta: um brilhozinho do mais modesto que me ressuscita o espírito, deixando-o num profundo mal-estar dado todo o treino para não sentir vida ou remorso. Segue-se um diálogo onde o doentio e depressivo entusiasmo emerge a cada linha, mas, eu sempre soube o que se haveria de seguir, soube mesmo. Tem de ser assim, pois eu sou eu e tu és tu. Deixei de o saber porque, por distracção, possivelmente, fiz força durante alguns momentos de olhares mal cruzados. Não cheguei efectivamente a ter esperança de coisa nenhuma. Parti na sua direcção, já de noite, calmo, em paz. «Oh! que bela! estes movimentos, esta gesticulação… 4, 5, 6… nem pensar, nem pensar.» Processo todas as suas frases e gero um veredicto negativo que me apazigua as entranhas… mas irrita-me a pele, os dedos e os lábios, coisas por natureza sequiosas. Mas cá dentro, no mundo da víscera, tudo bem. Ainda tento uma segunda vez, só para resolver as coisas de uma vez por todas, pois nunca gostei de me alimentar através de um titubeante conta-gotas repleto de bolhas de ar. Fui apenas um receptáculo, servi para ouvir e emitir opiniões em concordância com o que de mim se esperava, embora, por momentos, tivesse uma tumultuosa vontade de te compactar contra o muro e após um par de momentos de uma luta frívola, aliviava-me através do teu franzino corpo. Se sentiria remorso? Acho que não. Acredito até, que após a resistência inicial irias ceder e unir-te a mim de forma hedonista. Não, talvez não tenha sido apenas um receptáculo, talvez seja também, uma história para o próximo miserável que ali vá parar. No fundo o que de mais forte ficou foi a vontade de esfaquear o teu vizinho; com o cuidado devido, pois não gostaria de danificar a minha lâmina numa costela mais dura daquele ser asqueroso. Seria tão bom… Fazia-lhe uma gravata com o meu braço esquerdo, mesmo com muita força, até saltarem à vista todas as minhas veias e enquanto aquele suíno que por acidente se viu humano, espernearia e grunhiria, eu, com um movimento veloz e seco, espetava-lhe a faca no estômago, rodando-a em seguida para ter a certeza que aquela adiposidade acumulada não iria fechar a ferida. Depois, sentia-o a contorcer-se todo, absorvia todos os seus movimentos de dor e agonia através do meu corpo que lhe ia tirando o oxigénio, chegando ao ponto de conseguir prever as suas próximas tentativas para se libertar, dada a ligação que se iria criar entre ambos, seriamos um só ser enquanto eu o matasse. Com sorte, conseguia perfurar algum órgão interno ou uma serosa qualquer e o sangue ia-lhe pulsar da boca e do nariz, causando uma sensação parecida à da obstipação nasal quando uma daquelas gripes mais agudas. Enfim… foi o que ficou. Mais um grande Nada.

segunda-feira, maio 10

Papa aqui

Quando se ouve (ou lê) alguém como o Miguel Esteves Cardoso dizer que Terry Gilliam é o pior realizador de sempre, é fácil confirmar a teoria de que o "cronista" nunca usou umas cuecas coloridas ou com bonecos. (E, em jeito de post scriptum, poderia ter usado também preservativo, para não nos prendar com duas chaimites que parecem ter sido cagadas pelo Mário Crespo após uma bela dobrada).

terça-feira, maio 4

pela ocasião da visita do papa

sexta-feira, abril 23

o que é para manter

quinta-feira, abril 22

leitura 4 ou quotidiano

"(...) caminhava horas pela cidade sem parar, inventando histórias na sua imaginação, construindo relações humanas e amizades que não existiam. Esforçara-se por apenas isso: também com os dias normais: os dias que esperam pelo humano para que este decida o que fazer deles. É que durante anos fora treinado no instinto contrário; o instinto de aceitação, de disciplina total, de ordem: o dia surgia-lhe à frente já preparado, medicado, dir-se-ia - não no sentido farmacêutico, mas num sentido quase de engenharia: o dia seguinte estava já resolvido, construído, as perturbações e os exageros haviam sido afastados, a rotina diária era uma simplificação impressionante da existência. Os dias eram isso mesmo: medicados" Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

leitura 3 ou identidade

"Ele mantinha-se um homem vulgar, sem qualquer qualidade excepcional; havia nele, (...), apenas a marca do menos, do que lhe faltava em relação aos outros humanos, e nada do outro lado para compensar ou atenuar: nenhuma habilidade artística; nenhuma ocasião excepcional lhe surgira - (...) - para poder ser herói momentâneo; a existência mantivera-se a uma altitude estável (...). Inconscientemente todos exigiam algo mais: uma carga positiva forte, uma invenção inesperada, uma mulher que se encontra; ou filhos, pelo menos, que assinalem nos dias actuais uma energia importante que justifique a espera, que faça suportável o facto de nada acontecer agora." Gonçalo M. Tavares, Jerusalém

terça-feira, abril 20

"Se alguma vez vir um amputado a ser enforcado, começo a gritar letras" Demetri Martin

quarta-feira, abril 14

leitura 2 ou missão

"(...) cumpre rigorosamente este regime de silêncio. Não vê ninguém, não fala com ninguém, e, gradualmente, começa a sentir-se um pouco mais forte na sua solidão, como se os rigores que impôs a si mesmo o tenham de algum modo enobrecido, devolvendo-lhe a pessoa que em tempos imaginava ser." Paul Auster, Invisível

leitura 1 ou memória constructiva

"Dás-lhe um copo e depois sentas-te ao lado dela no sofá. Durante vários minutos, nenhum de vós diz uma só palavra. Enquanto bebem os vossos scotches, os olhos fixos na parede em frente, vocês já sabem o que é que vai acontecer esta noite, sentem-no como uma certeza no vosso sangue, mas sabem também que têm de ser pacientes, que têm de dar tempo ao álcool para actuar. (...) Quando é que tudo começa? Quando é que a ideia que se agita nas vossas cabeças se traduz por uma acção no plano físico? (...) Prometeste a ti mesmo que não darás o primeiro passo, que não tocarás nela enquanto ela não tocar em ti, pois só então saberás sem a menor sombra de dúvida que ela quer aquilo que tu queres e que tu não interpretaste mal os desejos dela. Estás um pouco bêbedo, claro, mas não clamorosamente bêbedo, não ao ponto de perderes o discernimento, e tens inteira consciência das implicações daquilo que vocês estão prestes a fazer. (...) Mas tu estás-te nas tintas para isso. Porque a verdade pura e simples é esta: tu não te envergonhas do que sentes. (...) Ela pergunta-te: Estás com medo? Tu dizes-lhe que não, não estás com medo, estás extremamente feliz. Também eu, diz ela, e, depois, beija-te na face, muito ao de leve, não mais que um suave aninhar-se contra ti, não mais que um simples roçar de lábios na tua pele. Compreendes que tudo tem de se passar muito lentamente, que tudo tem de avançar com os mais pequenos dos passos, que, por um longo período , será uma hesitante dança de sim e não, e tu preferes que seja assim, pois se um de vós por acaso se arrepender, haverá tempo para recuar e parar. A maior parte das vezes, é preferível que aquilo que excita a imaginação fique confinado ao reino da imaginação (...), ela é sensata o suficiente para saber que a distância entre pensamento e acto pode ser enorme, um abismo tão imenso como o próprio mundo." Paul Auster, Invisível

sexta-feira, março 26

As pessoas geralmente não se atrevem a abraçar desconhecidos, mas, se o desconhecido estiver dentro do fato de uma mascote qualquer, não há problema algum na criação de emaranhados braçais enquanto se pousa para a fotografia que invariavelmente vai ganhar uma miserável componente nostálgica que fará o envolvido sentir-se ridículo.

sexta-feira, fevereiro 26

CRETINA

Sei lá eu do medo. Quem me dera ter medo, uma coisa declarada, uma evidência empírica com correlato na sudação.

Apesar de todo o nervosismo que a insegurança gera, apesar dos receios e complexos nascidos num passado remoto, não obstante a falta da mínima confiança visceral ou lógica, a noite corria sem grandes surpresas, aparentemente, não havia uma novidade que fosse. Claro que ela não fez o jantar, alguma vez… bicos de pés, um pé 39 a bater no chão em forma de protesto, uma inclinação sob o balcão, um agachamento que faz algo em mim soltar um guincho de desespero tal é a visão… sim, partem de umas longas pernas e… que grandiosos glúteos encerram aquelas calças de pijama que estão muito justas e rotas num joelho, às quais ela dá outro nome (leggins?) – petulante volúpia, jovial pecado que cativa mas ao mesmo tempo, impõe o respeito de uma noite de gutural trovoada ou da entrada de uma magnânime catedral alicerçada em esqueletos e mentira humana. Medo? não, mas a distância e o desconforto miudinho são vibrações que em gente fraca e miserável, do calibre aqui do vosso reles autor, conseguem perturbar coisas há tanto tempo estáveis e cristalizadas. E o vosso autor… o vosso autor é feito de matéria que tem tanto de fraco como de lábil, o seu temperamento é volátil e não raras são as vezes em que o faz parecer um demente cheio de pretensão.

E foi no preciso momento em que a luz eléctrica foi preterida às velas que ela profere a seguinte frase que me tornou numa espécie de invertebrado pronto a esmagar: «…eu não te minto, mas omito imenso.» O silêncio reinou e a minha retina, enfim, sei lá eu o que aconteceu ao raio da retina; extinguiram-se os ruídos parasitas que da rua invadiam a sua casa pela janela aberta; olhei-a e o seu olhar que mantém sempre algo de alucinado, mais que provável metabolito de uma noite de drogas pesadas e memórias apagadas, indaga-me e é como se me perguntasse de forma agressiva: «algum problema com isso?» eu em silêncio tento articular qualquer coisa e aquele olhar continua a sugar-me o discernimento e a masculinidade.

Claro que há problemas com isso, claro que se tudo corresse bem, poderia ter um certo grau de relaxamento e enfrentar a infeliz confissão, agora assim neste decrépito estado de coisas, com esta humidade já bafienta… Se ao menos ela tivesse mentido e forçado um sorriso num momento oportuno, se houvesse ousado dizer que me achava belo ou pelo menos, parcialmente tragável, se me elogiasse o beijo, os dedos dos pés, se tivesse dito que gostava de mim ao invés de pedir com desesperada sofreguidão de quem se apercebe que não vai ter um orgasmo, para lhe chupar os lábios com mais força, ai sim, talvez eu descontraísse um pouco e conseguisse não ficar completamente atordoado por tamanha revelação. Mas medo, não.

Pela rua da politécnica vou apressado para o metro prestes a fechar, a chuva é miúda e refresca-me os calores forjados pela fricção do nervoso com o insucesso. Um pouco mais ao fundo vem uma tipa gorda de coxas gelatinosas, que corre durante um par de passos agitando a sua mala vermelha, depois, com um ar de atroz sofrimento, retoma o trote. Lá vou eu, ainda passo por uma espécie de festa na faculdade de Letras e ao invés da raiva habitual que nutro por quem vai a festas e grita no meio da rua sem ser por simples insanidade, sou complacente e penso algo como «estão a viver os melhores dias da sua existência», mas nem quero saber disso para nada.

Deito-me, decido sabotar a TV e fico um bocado triste por não teres convidado esta reles carcaça a dormir nem que fosse, no teu sofá. Mas medo? Não, não tenho medo.